Ele brigou com Senna e revelou o submundo de Interlagos: João Gordo na F-1!
André Barcinski
12/03/2018 05h59
Amanhã, 13 de março, é aniversário de meu grande amigo João Francisco Benedan, o popular João Gordo. Em homenagem a João, vou contar uma das passagens mais divertidas que vivenciei ao lado dele.
Em abril de 1992, eu trabalhava no jornal "Notícias Populares", e aconteceria em Interlagos o GP Brasil de Fórmula-1. O "NP" queria fazer uma cobertura diferente. Decidimos contratar um repórter, digamos, inusitado; não queríamos um especialista, mas justamente o oposto: alguém que não soubesse nada sobre o esporte e pudesse trazer uma visão peculiar sobre o "circo" da Fórmula-1. Um dos nomes sugeridos foi o de João. Sua entrevista de emprego foi mais ou menos assim:
– João, você gosta de Fórmula-1?
– Acho uma merda!
– Você entende de corrida?
– P… nenhuma! Não sei nem dirigir!
– Tá contratado!
Leia também:
- Tiago Leifert acha que o esporte tem dono
- "Como tomei calote de minha banda predileta!"
- "A Forma da Água": pior que bater na mãe
Minha função seria buscar João bem cedo na casa dele (ou na Hoellisch, Retrô, Love Story, ou qualquer boate onde ele tivesse passado a noite), levá-lo a Interlagos, e descobrir pautas interessantes e bizarras. Durante uma semana, incluindo a montagem, treinos e a própria corrida, exploramos o mundo – e principalmente o submundo – da Fórmula-1.
Entrevistamos cambistas, vendedores de camisas falsificadas da Ferrari e malucos em geral. Falamos com "moças" que faziam ponto nas cercanias do autódromo buscando clientes, e com "Marias-Volantes", meninas dispostas a tudo por uma noite de romance com um piloto (mas que acabavam sempre com um mecânico).
Uma das reportagens mais legais que fizemos foi um mapa das cercanias do autódromo, com as melhores lajes e árvores de onde o povão poderia ver a corrida de graça. Se lembro bem, havia um coroa, vizinho do autódromo, que, por módica quantia, permitia a qualquer um subir na caixa d'água de sua casa, de onde se podia ver um pedaço de uma curva. Fizemos também um ranking de beleza das mulheres dos pilotos (Michele Alboreto na pole; Nigel Mansell na rabeira).
Não demorou para a figura de um punk tosco de 190 quilos atrair a atenção de todos. Era só João passar pelos boxes, que o público da arquibancada o homenageava: "Rolha de poço!"; "Piloto de prova da Sadia!"; "Manequim da Ultragás!". João respondia mostrando o dedo médio pra galera e apontando para os próprios genitais. Os xingamentos foram tantos que João não aguentou e brindou os fãs de automobilismo com a visão de sua bunda.
Na sala de imprensa, havia telefones exclusivos para cada um dos grandes jornais e agências de notícias, como "Gazzeta dello Sport", "Associated Press" e "Reuters". João descobriu que era só tirar o fone do gancho e falar com o exterior. No segundo dia, foi flagrado por um fiscal no meio de uma ligação de 50 minutos com um amigo punk na Itália, e teve a credencial cassada pela Federação de Automobilismo. Adeus, sala de imprensa!
De qualquer forma, o agito estava mesmo nos boxes: João fez amizade com os mecânicos de uma equipe vagabunda chamada Andrea Moda, que remendava os carros com Silvertape e nunca se classifica pras provas. Os mecânicos contaram histórias sensacionais e descreveram as festas de arromba que faziam nos dias de GP.
Naquele ano, a Brabham contava com uma automobilista, a italiana Giovanna Amati. Descobrimos um playboy de Ribeirão Preto que dizia estar pegando a única "pilota" da categoria. E o pior é que era verdade: o sujeito era tão cafajeste que não só nos deu a letra de quando iria levá-la ao motel, o que rendeu belas fotos do casal entrando num carro, como ainda assinou a reportagem sobre a noite romântica, com o pseudônimo de "Ricardão da Giovanna".
Mas nossa maior missão seria entrevistar Ayrton Senna. Tentamos várias vezes, mas o piloto rechaçava qualquer tentativa. Num treino, João conseguiu se aproximar de Senna:
– Ayrton, pode falar com a gente?
Senna nem olhou pra trás; esnobou João e continuou andando. João gritou na lata:
– Seu playboy c*zão!
Já com Nigel Mansell, a história foi outra: grande rival de Senna na época, Mansell foi uma simpatia, posou para fotos, deu uma longa entrevista e contou altas histórias. Nem se irritou com o fato de João chamá-lo de "Cornell Mansell". "Tu é gente fina, Cornell, vou torcer pra você!"
E João foi pé-quente: Senna abandonou a prova e Mansell ganhou com facilidade. Naquele ano, o inglês ganhou seu único título da Fórmula-1.
Sobre o autor
André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.
Sobre o blog
Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.