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"Como tomei calote de minha banda predileta!"

André Barcinski

20/02/2018 15h59

Meu amigo Irã Margarido tem um gosto musical excelente. Mais que isso: ele gosta tanto de certas bandas que deixa sua paixão obscurecer a razão.

Uma das bandas prediletas de Irã é o Killing Joke. E o Killing Joke, como sabemos, é liderado por Jaz Coleman, um alucinado que tem o estranho hábito de sumir de vez em quando.

Em 2012, durante um de seus habituais desaparecimentos, escrevi:

Jaz Coleman está sumido. De verdade.

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O líder e vocalista do Killing Joke não é encontrado há semanas. Preocupados, seus companheiros de banda acabam de cancelar uma turnê com The Cult e The Mission, e dizem estar fazendo de tudo para encontrá-lo.

Torço para que seja apenas mais uma das maluquices de Coleman e nada mais sério que isso.

Em 2010, quando ele foi condecorado pelo governo francês com a Medalha do Cavaleiro de Artes e Letras, publiquei uma entrevista antiga que havia feito com ele. Confira:

O ano: 1994. O Killing Joke acaba de reformar para alguns shows nos Estados Unidos. A banda estava lançando "Pandemonium", seu primeiro disco em quatro anos, que marcava a volta do baixista original, Youth.

Na sede da gravadora, encontro o vocalista Jaz Coleman para uma entrevista. Na mesma noite, o grupo faria o primeiro show da turnê americana, no Ritz.

Quem já viu o Killing Joke ao vivo sabe que Coleman é uma presença e tanto. É um sujeito grande, fala alto, e ilustra cada frase com algum gesto de efeito.

Dizem que ele tem um QI quase sobrenatural. Aprendeu a tocar violino aos seis anos, ganhou prêmios como cantor de coros aos 10, e não ouviu rock até os 15. Segundo o próprio, estudou finanças na Suíça e hoje é padre numa igreja na Nova Zelândia.

Nos anos 80, prevendo o apocalipse, Jaz abandonou a Inglaterra e se mudou para a Islândia, onde conheceu alguns locais que, reza a lenda, tentavam criar uma máquina para "filtrar a energia espiritual de multidões". Algumas dessas pessoas estavam numa banda chamada Theyr, entre elas uma menina chamada Bjork.

Além de inventar o pós-punk e criar a trilha sonora para o fim do mundo com o Killing Joke, banda que influenciou todo o rock industrial e gótico, Coleman tem um trabalho vasto como compositor clássico e gravou diversos discos com orquestras tocando músicas de Led Zeppelin e The Doors.

Coleman está animado: "O show de hoje à noite será uma celebração. Vamos bater os tambores e conclamar os espíritos de nossos ancestrais para um ritual de purificação. Vamos nos purificar de todos os sons nocivos!"

"E o que você considera som nocivo, Sr. Coleman?", perguntei.

"Ah, tudo que ouvimos por aí hoje em dia… especialmente o britpop!"

"Britpop? É verdade que você se mudou da Inglaterra para fugir do britpop?"

"Não, na verdade eu saí da Inglaterra há mais de dez anos, quando me mudei para a Islândia e depois para a Nova Zelândia. A Inglaterra não me interessa mais há muito tempo. Tem tanta coisa melhor em outras partes do mundo."

"O que te levou à Islândia?"

"Eu era um estudioso do ocultismo e vivia tendo sonhos com uma ilha no fim do mundo. Cheguei à conclusão, junto com Geordie (guitarrista do Killing Joke), de que aquela ilha era a Islândia. Por isso fomos para lá."

"E a Islândia era, de fato, a ilha de seus sonhos?"

"Acredito que sim. Muitas coisas boas aconteceram lá. Mas não dá pra dizer que o sonho era uma coisa literal. Hoje vejo o sonho mais como um chamado, que me incentivou a mudar de vida."

Bom, voltando ao planeta Terra: mesmo conhecendo os hábitos peculiares de Jaz Coleman, Irã virou cliente do sujeito. Pedi ao próprio Irã para descrever sua recente experiência com Coleman. Aqui vai o relato:

Como você sabe, sou um grande fã do Killing Joke, tanto que me cadastrei para receber notícias sobre a banda e, no início do ano passado, recebi a informação sobre o novo projeto do Jaz Coleman em conjunto com a Saint Petersburg State Symphony Orchestra. Esse projeto previa a gravação do concerto com essa orquestra tocando os clássicos da banda e, posteriormente, o lançamento do respectivo álbum, "Symphonic Killing Joke". Além do lançamento em vinil e cd, há também outros itens de colecionador como manuscritos e ingressos que podem ser adquiridos via crowdfunding, conforme você pode conferir nesse link.

Fiz a compra da versão em CD de "Symphonic Killing Joke" (autografado) e recebi a confirmação por e-mail em abril de 2017, com a seguinte observação (talvez um texto padrão): eles informavam que o projeto estaria concluído em novembro de 2016, e a fabricação dos LPs poderia demorar uns três meses. Preocupante, não? Especialmente porque já estávamos, como disse, em abril de 2017.

Pois bem: passado quase um ano do prazo, até agora só me enviaram um link para baixar a versão sinfônica de "Yesterday Yes a Day", cover de Jane Birkin.

Acho que o próprio Killing Joke se perdeu no tempo, talvez estejam em outra dimensão… Como alguns mencionam que há várias Terras em um mesmo lugar, só muda a dimensão, talvez estejam em algum lugar desses. Espero que voltem logo com o trabalho pronto, ou será um calote para ficar na história, dentre tantas outras coisas que aconteceram com Jaz Coleman. Afinal, ele é um mistério, já ficou até desaparecido por um tempo… Uma verdadeira lenda viva!

Acredite ou não, apesar de ter causado uma certa frustração, ainda estou com esperança, afinal é o Killing Joke! Bom, vamos ver o que vai acontecer. Abraços, Irã.

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Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

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