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“Rico, gordo, gay e sortudo”: um gênio do showbiz abre o jogo

André Barcinski

07/11/2018 05h59

O livro saiu em 2016, mas só li agora: "Let's Make Lots of Money: Secrets of a Rich, Fat, Gay, Lucky Bastard", autobiografia do inimitável Tom Watkins.

Se o nome de Watkins não é tão conhecido no Brasil, na Inglaterra ele é um personagem famoso desde o início dos anos 80, primeiro como designer de capas e arte para Frankie Goes to Hollywood, Wham!, Art of Noise e Grace Jones, e depois como empresário de Pet Shop Boys e criador de boy bands como Bros e East 17.

Quão importante é Tom Watkins para o pop britânico?

Basta dizer que em 2000, quando o Channel Four fez uma série chamada "Mr. Rock and Roll", sobre lendários empresários do pop-rock, escolheu quatro personagens: Tom Parker (Elvis Presley), Peter Grant (Led Zeppelin), Don Arden (pai de Sharon Osbourne e agente de Black Sabbath e Jerry Lee Lewis)… e Tom Watkins!

Aproveite, porque o episódio sobre Watkins foi disponibilizado recentemente no Youtube…

O livro, coescrito com o jornalista Matthew Lindsay, é uma coleção de "causos" hilariantes sobre os bastidores do pop dos anos 70, 80 e 90, com ênfase no período de 1984 a 1991, quando Watkins tinha dois pesos-pesados nas paradas de discos: Pet Shop Boys e Bros.

Filho de uma família de classe baixa, Watkins sempre foi um rebelde: gordo e gay, descobriu logo que precisava sair da sufocante atmosfera suburbana de sua casa. "No segundo em que ouvi os Beatles cantando 'Love Me Do', soube exatamente o que queria da vida: música, arte, meninos e festas sem fim".

Sua vida foi, de fato, uma festa interminável: incapaz de manter um emprego normal por mais de uma semana, Watkins se inscreveu em escolas de arte e conseguiu emprego em um badalado estúdio de design em Londres, mas o que queria mesmo era explorar o submundo das boates gays da cidade, o que fez com obsessão.

Watkins amava música pop e sonhava em ser artista. Infelizmente, tinha uma voz terrível e não sabia tocar nenhum instrumento. Inspirado pelo que chamava de "Máfia Gay" de poderosos empresários musicais, que incluía Robert Stigwood (Cream, Bee Gees), Kit Lambert (The Who), Brain Epstein (Beatles) e Simon Napier-Bell (Yardbirs, Marc Bolan), Watkins decidiu tentar a sorte agenciando bandas.

Antes de fazer sucesso nos anos 80, colecionou fracassos com bandas de glam rock e pré-punk, mas seu estilo escrachado, senso de humor absurdo e verve ácida o tornaram uma figura conhecida na cena musical inglesa.

Watkins via o pop como um teatro, e seu papel era o de criar personagens para as peças. Quando encontrava um cantor que julgava ter potencial, inventava o artista do zero: montava o visual, escolhia o penteado, ensinava-o a se comportar num palco e diante da imprensa. "Por fim, eu precisava trabalhar naquele mal infernal e necessário para o jogo pop: a música!"

No fim dos anos 70, Watkins empresariou uma banda que tinha uma canção sobre o Homem-Aranha. Ele procurou o escritório da editora Marvel em Londres e pediu emprestada uma fantasia do personagem. O funcionário da Marvel que lhe entregou a roupa era um nerd de 21 anos chamado Neil Tennant. Alguns anos depois, Watkins seria o empresário de Tennant e do colega Chris Lowe no Pet Shop Boys.

Watkins é um frasista brilhante, e o livro é repleto de pérolas:

"David Bowie tornou o ar da Inglaterra menos sufocante para homens gays. Ao abraçar Mick Ronson [guitarrista da banda Spiders from Mars] no programa de TV 'Top of the Pops', David abriu uma porta que nunca mais se fecharia."

"Música pop é simples. Se você quer fazer uma música chamada 'Olhos Azuis', concentre-se nos olhos azuis, não perca tempo falando de cabelo louro."

"Eu disse para um repórter que era mentira que eu dizia o que meus artistas deveriam vestir e fazer. Adivinha? Eu menti. Era exatamente o que eu fazia!"

"Trepei mais e melhor do que qualquer um com uma barriga imensa e uma aversão eterna a exercícios poderia sonhar."

Lendo as histórias de Tom Watkins, fica claro que ele tinha mais prazer em descobrir e lançar artistas do que manter relações profissionais duradouras. Quase todos os artistas que Watkins agenciou acabaram brigando com ele – no caso dos Pet Shop Boys, de forma feia e definitiva (Tennant e Lowe se recusaram a liberar músicas para o filme do Channel Four sobre o empresário).

"No fundo, tudo se resume a ego", explica Tom Watkins. "Neil pode fingir ser um artista sensível e que não liga pro estrelato, mas assim que eu comecei a aparecer mais que a banda, nosso relacionamento mudou". Claro que não ajudou o fato de Watkins ter dado entrevistas em que dizia ser o "mentor" do Pet Shop Boys.

Uma demonstração do tamanho colossal do ego de Tom Watkins é essa entrevista de 1993, em que ele fala mais do que a banda que empresariava, a East 17:

Visite meu site: andrebarcinski.com.br

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Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.