Nick Cave triunfou em Buenos Aires e agora chega ao Brasil
André Barcinski
12/10/2018 05h59
Alguns shows, por uma rara combinação de qualidade musical, ambiente e interação com o público, se tornam inesquecíveis. O concerto de Nick Cave and the Bad Seeds no Ginásio Malvinas Argentinas, em 10 de outubro, foi um desses.
Por 2h25, Cave e seu sexteto – Warren Ellis (violino, teclados), Jim Sclavunos (percussão, teclados), Thomas Wydler (bateria), Martyn P. Casey (baixo), George Vjestica (violão, guitarra) e Toby Dammit (teclados) – tocaram 19 músicas. Ao final, sete mil pessoas sorriam, gritavam e aplaudiam. Muitas choravam. Foi um dos shows mais intensos e emocionantes que presenciei.
A emoção começou antes mesmo de a banda subir ao palco, quando o telão mostrou uma foto de Conway Savage, o tecladista que acompanhava Cave desde 1990 e largara a banda em 2015 para tratar um tumor no cérebro. Savage morreu há cerca de um mês. Assim que a foto surgiu no telão, sem legenda ou explicação, o público aplaudiu por vários minutos. Foi a primeira de muitas provas de devoção e respeito que aconteceriam ao longo do show.
Nick Cave sempre teve uma relação intensa com os fãs, mas essa conexão tornou-se ainda mais forte nos últimos anos. Em 2015, o cantor perdeu um filho, Arthur, de 15 anos, que morreu ao cair acidentalmente de um penhasco próximo a Brighton, na Inglaterra. No ano seguinte, Cave lançou o LP "Skeleton Tree", em que descreve a dor da perda.
Como tem feito nessa turnê, o cantor abriu o show com a primeira faixa de "Skeleton Tree", a tristíssima "Jesus Alone": "Você caiu do céu / e se espatifou num campo / próximo ao rio Adur".
Nick Cave é um caso raro: aos 40 anos de carreira (34 com o Bad Seeds, antecedido por seis anos com a banda pós-punk The Birthday Party), atingiu o ápice de popularidade e criatividade. Seus últimos quatro discos estão entre os melhores que gravou, e os shows estão cada vez maiores e mais concorridos, com lotações esgotadas na maioria dos países.
Nos últimos tempos, os shows de Cave têm assumido um ar quase religioso, de devoção total dos fãs. Ele abraça o público das primeiras filas, se joga na plateia, canta no meio do povo e, ao fim, convida fãs para subir ao palco e cantar com ele. Mas nada parece forçado ou fingido. Os fãs acreditam na sinceridade de Cave, e o cantor retribui com uma entrega impressionante.
Cave faz parte de um pequeno grupo de intérpretes – eu incluiria Leonard Cohen, Nina Simone, Diamanda Galas, Lou Reed e Chet Baker – que cantam sobre o amor e a paixão, mas sempre com uma tom angustiado e melancólico. Seu universo lírico é cheio de romantismo, mas também de dor, violência, culpa e fatalismo. Um crooner gótico cantando sobre os lados mais sombrios da vida.
Nesses 34 anos, a música que ele faz com os Bad Seeds mudou muito. A influência de Leonard Cohen é enorme, mas Cave criou um estilo próprio e confessional, com letras que falam abertamente sobre sua vida e músicas cada vez mais experimentais e atmosféricas, que ora explodem em barulho, ora exploram o silêncio e o minimalismo. Basicamente, Nick Cave chegou ao ponto em que faz exatamente o que quer. E quem gostar, que o acompanhe.
Como ele diz em "Push the Sky Away":
Algumas pessoas dizem que é apenas rock and roll
Ah, mas ele lhe atinge diretamente na alma
Se você sente que conseguiu tudo que queria
Se você tem tudo e não precisa de mais nada
Você tem de empurrar o céu, cada vez mais para longe
Cada vez mais para longe
Domingo, Nick Cave and the Bad Seeds tocam no Espaço das Américas, em São Paulo.
OUTRO GRANDE SHOW: EYE HATE GOD E SAMSARA BLUES EXPERIMENT
Nick Cave não é o único show excelente no fim de semana. A brava produtora Abraxas comemora cinco anos trazendo Eye Hate God e Samsara Blues Experiment para shows em São Paulo (sábado, 13) e Rio (domingo, 14). Mais informações aqui.
Um ótimo fim de semana a todos.
O blog volta na quarta, dia 17.
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Sobre o autor
André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.
Sobre o blog
Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.