Filme revela a arte de John McEnroe, gênio do tênis
André Barcinski
03/10/2018 05h59
O filme não é exatamente um documentário sobre John McEnroe, mas um relato da participação dele no Aberto de Tênis da França, em Roland Garros, em maio e junho de 1984.
E por que o ano de 1984 foi tão importante na carreira de John McEnroe?
Simples: porque, naquele ano, Big Mac era imbatível. Ou quase: em 1984, ele atingiu a marca de 96,5% de vitórias, ganhando 82 jogos e perdendo apenas 3, o maior percentual de vitórias desde 1925, quando Bill Tilden perdeu apenas um de 79 jogos.
Mais que isso: McEnroe, aos 25 anos, estava no auge da forma e vinha jogando um tênis sublime, destruindo adversários com seu ágil e inventivo jogo de saque-e-voleio.
Para quem não acompanha tênis, vale dizer que John McEnroe era uma espécie de Garrincha das raquetes. Ele não tinha a força física de Ivan Lendl ou a paciência de Bjorn Borg, mas era um esteta, capaz das jogadas mais absurdamente geniais e imprevisíveis.
Em 1984, McEnroe chegou a Roland Garros como o número 1 do mundo e com uma invencibilidade de 42 jogos. Naquele ano, McEnroe venceria 13 torneios.
Na final de Roland Garros, McEnroe estava dominando completamente o jogo contra o tcheco Ivan Lendl: abriu dois sets a zero, 6-3 e 6-2, e jogava uma barbaridade, quando de repente começou a errar os saques, deu fôlego a Lendl, e permitiu uma virada histórica. "Até hoje eu tenho pesadelos com aquele jogo e penso em como minha vida poderia ter sido diferente caso eu tivesse vencido", conta McEnroe.
Big Mac Perdeu em Roland Garros (aliás, nunca venceria o torneio), mas se redimiu com demolições de Jimmy Connors em Wimbledon e do próprio Ivan Lendl no U.S. Open.
O filme de Julien Faraut usa como base um material fantástico filmado por outro francês, Gil de Kermadec. Por mais de 20 anos, Kermadec filmou o torneio de Roland Garros para fazer filmes de instrução sobre tênis. A cada ano, o cineasta apontava três câmeras para um único jogador com o objetivo de mostrar, em detalhes, sua técnica e movimentos. Em 1984, ele escolheu John McEnroe.
Faça um favor a você mesmo, tire uma folguinha de 54 minutos e assista a "Roland Garros avec John McEnroe" (1984), de Gil de Kermadec:
Kermadec analisa o estilo de John McEnroe: seu bizarro saque com as costas para a quadra, seus mortais voleios perto da rede, e seu golpe mais bonito, o "drop shot", em que ele finge que vai atingir a bola com força, mas tira o peso da raquete e faz a bola cair, mansamente, próxima à rede.
Vejam essa sequência antológica de "drop shots":
Outro aspecto interessante do jogo de McEnroe, e explorado a fundo no filme de Faraut, era sua mania de discutir com árbitros e público. Tanto Faraut quanto Kermadec concluem que McEnroe não fazia isso de pirraça, mas como forma de ganhar confiança, porque tinha uma personalidade forte e seu jogo melhorava em situações de tensão. Ele antagonizava a plateia e virava o "vilão" da quadra, mas isso só aumentava sua concentração e poder de fogo. Quando McEnroe brigava com árbitros, a impressão da plateia – e, mais importante, dos adversários de McEnroe – era de que o jogador havia perdido a concentração. Na verdade, ele estava mais focado do que nunca.
Espero que algum festival exiba "John McEnroe: in the realm of perfection" por aqui.
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Sobre o autor
André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.
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