Secos e Molhados: 45 anos de um clássico da música brasileira
André Barcinski
13/08/2018 05h59
Foi essa a sensação de muitos ao ver a capa de "Secos e Molhados", LP de estreia do grupo paulistano. A foto mostrava as cabeças decepadas dos integrantes da banda com os rostos pintados à semelhança de personagens do kabuki, vertente do teatro japonês.
O LP chegou às lojas em agosto de 1973. Na mesma semana, aconteceu um golpe de sorte: a Globo estreava o "Fantástico", um programa de variedades nas noites de domingo, e escolheu imagens de quatro artistas e grupos musicais para incluir na abertura: Clara Nunes, Wanderley Cardoso, Diana Ross and the Supremes e… Secos e Molhados. O impacto foi estrondoso.
Veja aqui a primeira abertura do "Fantástico".
A Continental não acreditava no disco e havia prensado apenas 1500 cópias. Acabou vendendo 300 mil em três meses. A demanda foi tão grande que, no final de 1973, a gravadora ficou sem vinil para fabricar os discos – situação que se complicou ainda mais por causa do embargo do petróleo pelos países árabes no mesmo ano, causa de uma das grandes crises econômicas da década. A solução foi derreter discos encalhados para fabricar mais LPs do grupo.
O disco vendeu muito e por muito tempo. Tanto que liderou a parada de mais vendidos em 1974, um ano após o lançamento. Desde que a parada de sucessos do Nopem começara a ser publicada no país, em 1965, nenhum músico ou grupo musical havia chegado ao primeiro lugar nas vendas com seu disco de estreia. O LP bateu pesos-pesados como Jair Rodrigues ("Os melhores sambas-enredos de 1974") e Roberto Carlos ("Roberto Carlos") – foi também a primeira vez que o "Rei" se viu superado nas paradas por um grupo brasileiro.
É difícil explicar o fenômeno dos Secos e Molhados, mas existem alguns fatores que contribuíram para o sucesso do disco. Para começar, a capa era das mais estranhas e imaginativas. Em um país controlado por uma ditadura militar e onde discos eram censurados aos montes, ver a cabeça decepada de quatro hippies em cima de uma mesa chamava a atenção (a quarta cabeça da foto, além da de Ney Matogrosso, Gerson Conrad e João Ricardo, era a do baterista argentino Marcelo Frias).
Musicalmente, o LP tinha atrativos para todos os gostos: fãs da MPB poderiam apreciar os violões delicados e as letras tiradas de poemas de Vinicius de Moraes, Cassiano Ricardo e Manuel Bandeira; roqueiros curtiriam as guitarras distorcidas de John Flavin em "O vira" e o baixão marcante do argentino Willy Verdaguer, que abria "Sangue latino". Havia até mesmo pitadas de jazz, como na introdução de piano de "Primavera nos dentes", tocada por Zé Rodrix.
"Secos e Molhados" também caiu no gosto das crianças, que adoravam as letras engraçadas sobre sacis, fadas e lobisomens e ficavam hipnotizadas pela estranheza futurista do visual da banda.
Até hoje, Gerson Conrad se pergunta sobre o que levou a banda a ser tão adorada: "Acho que foi uma magia, uma coisa que não se consegue explicar. Claro que o disco era muito bom, um trabalho musical e poético de alto nível, mas a verdade é que os Secos e Molhados chegaram em um momento em que o país atravessava um marasmo total, com censura, aquela mão pesada militarista, e a gente veio dar um colorido àqueles dias cinzentos".
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Sobre o autor
André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.
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