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Quer ser escritor(a)? Então leia isso antes...

André Barcinski

11/07/2018 05h59


Há alguns dias, o escritor norte-americano Wyley Cash publicou em sua conta de Twitter um texto sobre o ofício de escrever.

Nunca li um livro de Cash, mas depois de ler o texto, comprei "The Last Ballad", seu mais recente romance, que ainda não comecei.

Achei o texto tão legal e revelador que decidi traduzi-lo e publicar aqui no blog. É um depoimento sincero sobre o ofício de escrever…

Ontem à noite jantei e tomei cerveja com um bom amigo, que também é um escritor bem-sucedido, o tipo de escritor cuja carreira muitos de nós invejaríamos. Eu tenho pensado nele e nas coisas sobre as quais conversamos. Aqui vai:

Quando as pessoas descobrem que sou escritor, muitas vezes ouço coisas como: "Eu adoraria escrever, mas não tenho tempo", ou "Deve ser incrível sentar na mesa o dia todo e escrever o seu livro". Anos atrás, quando minha esposa e eu nos mudamos para o nosso bairro, uma vizinha me disse que, sempre que passava pela nossa casa enquanto passeava com seu cachorro, ela pensava em mim lá dentro, sentado na minha mesa, trabalhando em um romance. Ela disse isso melancolicamente, como se fosse a vida mais tranquila que ela pudesse imaginar.

Nos últimos seis anos, publiquei três romances e um monte de contos e ensaios. Meu amigo com quem jantei publicou mais livros e ensaios que eu, e sua carreira tem sido um pouco mais longa, e ele vendeu mais livros. Mas quando nos encontramos, não falamos sobre nossos livros. Falamos sobre o trabalho. Falamos sobre seguro-saúde. Falamos sobre como o trabalho não-literário, as palestras, os workshops, os cursos que ministramos, limitarão nosso tempo livre na mesa, escrevendo. Falamos sobre as ligações que recebemos de pessoas de Hollywood e se devemos ou não acreditar quando elas nos pedem para trabalhar de graça na esperança de que alguém compre nossos projetos. Falamos de convites para palestras em bibliotecas, universidades e grupos cívicos. Quanto vão nos pagar?

Quanto podemos esperar ganhar? Quanto vale ficar longe de nossa família por mais uma noite? Devemos incluir no valor o tempo de dirigir, esperar no aeroporto e pegar um avião? Devemos ser honestos sobre como uma hora de "trabalho" requer 36 horas de viagem e preparação?

Falamos sobre "blurbs" [frases elogiosas, geralmente de outros escritores, publicadas em capas e contracapas de livros para ajudar as vendas], tanto as que pedimos quanto as que somos solicitados a contribuir. Falamos sobre o mercado de livros e como nos sentimos sobre nossos agentes e editores. Falamos sobre a esperança de que o próximo livro seja o que nos ajude a chegar ao ponto em que finalmente não precisemos mais ter as conversas que ainda temos.

A maioria dos meus amigos são escritores, e muitos poucos podem se considerar "bem de vida". Todos correm atrás, ralam, tanto em seus trabalhos literários quanto em suas vidas pessoais. Há apenas um punhado de escritores neste país que não têm empregos paralelos ao trabalho literário. Conheço dois ou três.

Concluindo:

O livro que chega à estante da livraria não é o produto da vida dedicada à escrita, mas, na maioria dos casos, o subproduto da vida dedicada à escrita. E essa vida, muitas vezes, é menos sobre escrever e mais sobre tentar manter a qualidade de vida de sua família.

Muitos empregos são difíceis, e muitas pessoas não ganham o salário o que merecem. Mas, na vida de escritor, pode acontecer de você trabalhar por anos em um projeto em que acredita, e ninguém publicar seu livro ou comprar seu roteiro, e você não receber um centavo. Então você dá aulas. Você trabalha como editor. Você escreve para revistas. Você viaja. Você dá palestras. Você passa semanas por ano longe da sua família. Você se preocupa com o seguro, com sua hipoteca e com as mensalidades das escolas de seus filhos.

E quando você coloca a cabeça no travesseiro, sua mente viaja para aquele lugar especial onde seu livro repousa brilhante em sua imaginação, e você adormece esperando e rezando para que seja o livro que finalmente vai recompensar o esforço da vida que escolheu.

Você pensa em sentar na mesa onde está escrevendo seu livro, olhando pela janela. Sua vizinha passa com o cachorro, e você espera que um dia ela esteja 100% correta em pensar: um escritor mora ali!

Visite meu site: andrebarcinski.com.br

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Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.