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Matanza: o rock independente brasileiro que deu certo

André Barcinski

06/06/2018 05h59


Leio no UOL que a banda carioca Matanza vai se aposentar depois de 22 anos.

Admiro bastante os caras, e não só por seu country-punk bêbado e divertido.

Respeito o Matanza porque a banda conseguiu uma coisa rara: sobreviver na cena de rock do Brasil de forma independente. E sei porque vi de perto.

Durante quase uma década, fui sócio de uma produtora de eventos e de uma casa noturna em São Paulo. Nossa prioridade era música eletrônica, mas fizemos também muitos shows.

Quando decidimos abrir a casa para shows, oferecemos às bandas um acordo que julgávamos honesto: elas ficariam com metade da bilheteria.

Para nossa surpresa, quase ninguém aceitou. As bandas queriam um mínimo garantido. "Ah, mas no SESC ganhamos não sei quanto", me disse o agente de uma delas. Eu expliquei que não dava para comparar a realidade financeira de uma casa noturna privada com a realidade do SESC, que vive de um imposto compulsório cobrado de todos os comerciantes do país.

Não demorou para percebermos a razão pela qual as bandas queriam um mínimo garantido: elas simplesmente não tinham público. Chegamos a fazer shows de bandas hypadas e cheias de marra para uma incrível platéia de SETE pessoas.

A verdade é que a cena de rock independente no Brasil não tinha nada de independente. Pelo contrário: no glossário das bandas, as três palavras mais importantes eram "edital", "SESC" e "prefeitura", não necessariamente nessa ordem (naquela época havia outra palavra adorada, mas hoje fora de uso: "Petrobras").

E nesse mundinho de bandas independentes pero no mucho, o Matanza era uma raridade: ali estava um grupo que não só topava tocar por 50% da bilheteria, como lotava o lugar. Todo mundo faturava: o Matanza ganhava uma boa grana de ingressos e vendendo camisetas, e a casa lucrava bastante com ingresso e a venda de cerveja e destilados. Enfim, eram shows que seriam normais em qualquer cena de rock do mundo, mas completamente anômalos no mundinho do rock estatizado nacional.

Parabéns, Matanza, por 22 anos bem vividos. Quem dera todos os roqueiros alternativos brazucas fossem iguais a vocês.

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Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.