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“Wild Wild Country”: mais estranho que a ficção

André Barcinski

06/04/2018 05h59

Se alguém escrevesse um roteiro de ficção contando a história de "Wild Wild Country", muita gente diria que era exagerado demais para ser verdade. Os personagens seriam todos caricatos e as situações, incredíveis. Num curso de roteiro, o aluno seria elogiado pela audácia, mas criticado por sua completa falta de sintonia com a realidade.

Acontece que "Wild Wild Country" é um documentário, e existem milhares de horas de imagens e montanhas de documentos que provam que tudo aquilo aconteceu de verdade.

O filme, dividido em seis episódios de uma hora e exibido pelo Netflix, conta a história do líder espiritual indiano Bhaghwan Shree Rajneesh (1931-1990), também conhecido por Osho, e seu insano sonho de criar uma cidade mística num lugar remoto do interior do Oregon, noroeste dos Estados Unidos.

Em 1981, depois de sete anos pregando sua filosofia num ashram (um monastério ou local para cultos) em Pune, na Índia, o Rajneesh mudou-se para uma área inóspita ao lado da vila de Antelope, no Oregon, levando, além de seus 20 Rolls-Royce e dois aviões, cerca de dez mil discípulos.

Não é surpresa que a chegada de uma milhares de Rajhneeshes, todos vestidos de robes vermelhos, cultuando o amor livre e tomando banho de sol pelados, tenha causado um estrago em Antelope, uma vila sonolenta de 95 habitantes, povoada basicamente por rancheiros septuagenários. A tensão entre os antigos moradores e o exército de recém-chegados é um dos aspectos mais fascinantes do documentário.

Bhagwan era o líder da turma, mas quem mandava mesmo era sua secretária pessoal, Ma Anand Sheela, uma indiana bonita, carismática, inteligente e arrogante, que comandava o exército de Rajneeshes com a mão firme de um general.

Sob o comando de Sheela, os discípulos ergueram a cidade de Rajneeshpuran, um verdadeiro oásis no meio dos cenários inóspitos e montanhosos do Oregon. A cidade tinha pista de pouso, imensas plantações, escolas, hospitais, e até uma represa que produzia a energia elétrica consumida.

E quem era o vizinho de cerca da propriedade do Rajneesh? Ninguém menos que Bill Bowerman (1911-1999), um herói do atletismo norte-americano e técnico da equipe olímpica do país, que nos anos 60 fez, com uma máquina de waffles, um solado de borracha que colou em um tênis de corrida, dando origem a uma pequena empresa de calçados chamada Nike.

Bowerman era bilionário, um herói nacional e amigo de toda a elite política do Oregon, e usou sua influência – e boa parte de sua fortuna – para combater a presença de Bhagwan em seu quintal.

É difícil resumir a história de "Wild Wild Country", com tantas reviravoltas e subtramas absurdas. É um filme sobre as disputas internas pelo controle da fortuna de Baghwan, os conflitos de seus discípulos com o estado do Oregon, e de como dezenas de milhares de pessoas foram completamente possuídas pela figura silenciosa e enigmática do guru. Em uma palavra: ASSISTA.

ATENÇÃO: O TEXTO A SEGUIR CONTÉM SPOILERS

Gostei muito do filme, mas achei que ficou devendo num aspecto crucial: a fidelidade da informação. Há vários pontos importantes da história que não ficam claros ou que são simplesmente esquecidos no meio da narrativa. Por exemplo:

– Por que Baghwan fugiu da índia em 1981? Um dos entrevistados diz que ele teve problemas com o governo local, mas o assunto morre ali.

– Afinal, Sheela roubou ou não milhões de dólares de Baghwan?

– O surto de salmonella que mandou mais de 700 habitantes de Wasco County para o hospital foi causado pelos Rajneeshes?

– O que houve com o médico de Baghwan, que Sheela tenta assassinar com uma agulha envenenada? Fica claro que ele não morreu, até porque aparece no fim do filme, mas como escapou da morte?

– O que aconteceu com as pessoas que comandaram o ashram depois da fuga de Sheela? Onde está Hasya? E o médico de Baghwan?

– Quanto vale a marca "Osho"?

Um ótimo fim de semana a todos.

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Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

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