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“A Forma da Água”: pior que bater na mãe

André Barcinski

13/02/2018 23h14


Não há nada errado em ressuscitar velhos gêneros cinematográficos. Quentin Tarantino fez uma carreira brilhante ao dar roupagem moderna a gêneros fora de moda como filmes de kung fu, "thrillers" B e faroestes.

"A Forma da Água", do mexicano Guillermo Del Toro, é mais um filme, dentro de uma leva recente que inclui produções como "O Artista" e "La La Land", que busca a nostalgia.

O filme mistura conto de fadas e terror dos anos 30 a uma ambientação que remete aos filmes anticomunistas dos anos 50 e 60, em que monstros, robôs e alienígenas representavam o "Perigo Vermelho" da Guerra Fria. Se é feio e gosmento, deve ser comunista, diziam filmes como "Vampiros de Almas" (Don Siegel, 1956) e "Aldeia dos Amaldiçoados" (Wolf Rila, 1960), só para citar dois infinitamente melhores que "A Forma da Água".

Del Toro tem todo o direito de ressuscitar o gênero que quiser. O problema é quando faz isso usando recursos narrativos mais datados que os filmes que o inspiraram. Seu filme não é nostálgico, mas velho, mofado e ultrapassado, com personagens, diálogos, roteiro, direção e atuações que parecem saídos de um manual de cinema de 1950.

A história se passa em 1962, num laboratório militar americano, onde Elisa Esposito (Sally Hawkins) trabalha como faxineira no turno da madrugada. Em uma sala ultramegasecreta do lugar (a que a faxineira tem acesso ilimitado, claro), ela descobre uma criatura marinha, meio homem, meio peixe, que foi trazida de um país sul-americano e está sendo estudada pelos militares.

Todos os personagens são estereotipados: Elisa é uma órfã muda e infeliz, que sapateia no corredor do prédio sonhando com uma vida melhor, vê filmes velhos na TV de um ilustrador gay e melancólico (Richard Jenkins) e é amiga de outra faxineira, uma afrodescendente engraçada e orgulhosa (Octavia Spencer). O malvadão da história é um coronel linha dura (Michael Shannon), um boçal misógino e racista, que espanca a pobre criaturinha aquática sem piedade.

Claro que Elisa e o homem-baiacu passam a se comunicar por sinais (sabe como é, mudos devem ter uma sensibilidade maior para interagir com peixes), e acabam se apaixonando. Elisa arma um plano, saído de algum roteiro de "Armação Ilimitada", para salvar o namorado e devolvê-lo ao mar, bem ao estilo "Free Willy".

Guillermo Del Toro é um Terry Gilliam sem senso de humor. Seus filmes são exercícios supostamente lúdicos e imaginativos que exigem do espectador uma ingenuidade que nem todo mundo tem estômago para exercitar.

Dá para entender por que um abacaxi desses ganhou o Leão de Ouro em Veneza e foi indicado a 13 Oscars: o filme apela a uma noção antiquada de "bom cinema", com personagens claramente delineados, história edificante, e lições de moral aos borbotões. Claro que Del Toro fez uma alegoria aos nossos tempos tão conturbados: seu homem-peixe é um símbolo do desconhecido, e seu romance com uma humana mostra que todo mundo é merecedor de respeito e afeto. Até seres com guelras e escamas.

P.S.: Quando achava que nada podia ser pior que perder duas horas de Carnaval vendo "A Forma da Água", fui obrigado a assistir outro favorito ao Oscar, "Três Anúncios para um Crime". Sobre este troço, escrevo sexta. Até lá.

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Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

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Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.