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Malcolm Young foi a parede que sustentava o AC/DC

André Barcinski

18/11/2017 13h53


Malcolm Young foi um operário do rock, um músico que não só criou algumas das canções mais emblemáticas do rock pesado – "Back in Black", "Highway to Hell", "Whole Lotta Rosie" – como liderou por 40 anos uma das bandas mais populares de todos os tempos. E o fez silenciosa e discretamente, deixando os holofotes para o irmão caçula, o também guitarrista Angus.

Malcolm criou o AC/DC no fim de 1973, com Angus, três anos mais novo. Os dois nasceram em Glasgow, na Escócia, mas mudaram com a família para Sydney, na Austrália, em 1963.

Se o AC/DC pode ser definido em uma palavra, é "família". Malcolm e Angus sempre foram muito unidos e blindaram o grupo contra qualquer influência externa. O AC/DC era uma empresa familiar.

Os integrantes do grupo eram extremamente reclusos, só davam entrevistas em épocas de lançamento de discos, e não falavam sobre suas vidas particulares. Nem ao amigo Mick Wall, veterano jornalista britânico, que escreveu "AC/DC: a Biografia", aceitaram dar novas entrevistas.

Em 2014, quando anunciaram que Malcolm estaria se desligando da banda devido a uma doença não divulgada (que depois se descobriria tratar-se de demência), escrevi:

Não é difícil explicar o poder de atração que o AC/DC ainda exerce. Para os fãs, a banda representa uma espécie de "porto seguro", uma entidade que nunca vai mudar. Entra ano, sai ano, Angus vestirá seu uniforme de colegial, o repertório dos shows continuará o mesmo, o sino gigante descerá no palco para anunciar "Hell's Bells", e Brian Johnson nunca vai tirar aquele boné maldito.

O AC/DC faz parte de um grupo muito pequeno de bandas – eu poria na lista os Ramones, Motörhead e Creedence Clearwater Revival – que conseguiu criar um som próprio, apesar de muito simples. Na teoria, qualquer um pode fazer sons iguais aos dessas bandas: não há floreios virtuosísticos, os arranjos são banais e os temas, repetitivos. Mas a verdade é que ninguém consegue replicar o que eles fazem. E ninguém, até hoje, fez um blues-rock tão épico quanto o do AC/DC.

Sobre o show da turnê "Black Ice" no Morumbi, em 2009, escrevi:

Que Madonna que nada. O concerto que o AC/ DC fez na noite de sexta, no Morumbi, diante de 70 mil fãs enlouquecidos, faz qualquer show ocorrido no Brasil nos últimos tempos parecer malabares de farol.

Foram duas horas de explosões, labaredas, tiros de canhão, telões colossais, plataformas suspensas, chuva de papel picado, bonecos infláveis e até uma locomotiva de oito toneladas no palco. O som foi puro AC/DC: um hard rock festivo e barulhento, com letras juvenis sobre sexo, mulheres fáceis e o poder catártico do rock and roll. Enfim, um grande show.

O sucesso do AC/DC e sua identificação com o público vêm de uma fórmula simples: a banda não inventa. Há 36 anos faz o mesmo som, sem inovações. O show é como uma cápsula do tempo, congelando os fãs numa adolescência eterna. Não é à toa que o guitarrista Angus Young usa o mesmo uniforme escolar de seus dias de menino na Austrália.

Também não dá para esperar nenhuma sofisticação ou "finesse" do AC/DC. As letras são pura poesia de botequim, com pérolas do tipo "fazendo serão/ na linha de sedução" ("You Shook me All Night Long") ou "cachorro come cachorro / come gato também / os franceses comem rã / e eu como você" ("Dog Eat Dog"). Logo na primeira frase que dirigiu ao público, o vocalista Brian Johnson mostrou toda sua apreciação do idioma e cultura locais: "Desculpem, nós não falamos "brasileiro"… Mas falamos rock and roll!" O povão delirou.

Um momento especialmente revelador aconteceu durante "The Jack", o blues sobre o perigo das doenças venéreas. Enquanto os telões mostravam meninas eufóricas na plateia, 70 mil pessoas cantavam o refrão: "Ela tem gonorreia!" Beavis e Butthead aprovariam.

Apesar da megalomania e da qualidade da produção, o show do AC/DC tem elementos propositadamente toscos e malfeitos, com um apelo quase infantil. Como o inacreditável vídeo exibido durante "War Machine", em que Angus Young pilota um avião e ataca cidades com um bombardeio de guitarras e mulheres seminuas.

O público é um show à parte: adolescentes e cinquentões pulando sem parar, usando chifres de plástico, tocando guitarras imaginárias, cantando aos berros, fazendo o sinal do chifrinho e dançando passos inclassificáveis. Ao final, enquanto uma bateria de 12 canhões disparava os balaços que encerram "For Those about to Rock (We Salute You)", muitos choravam. O AC/DC lavou a alma.

E um adendo: segundo declarações de Angus Young, Malcolm já sofria de demência durante essa turnê, e teve de reaprender a tocar músicas que executava há décadas.

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Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

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Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.