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A vida breve de Marco Pantani, o Maradona do ciclismo

André Barcinski

25/05/2017 05h59

Domingo termina o Giro d'Italia, uma das mais tradicionais provas de ciclismo de estrada do mundo. A ESPN transmite a prova todos os dias, a partir de 9h30.

O líder da prova, pelo menos até o momento em que escrevo, é o holandês Tom Dumoulin. O Giro termina domingo, com chegada em Milão.

Mesmo se você não acompanha ciclismo, vale a pena assistir, nem que seja pela beleza de ver pelotões de ciclistas zunindo pelas vielas estreitas de vilarejos medievais. Poucas imagens do esporte são tão bonitas.

E para quem gosta de ciclismo, sugiro o documentário "Pantani", de James Erskine, disponível no Netflix. O filme conta a vida, glória e triste fim do italiano Marco Pantani (1970-2004), um dos grandes ídolos do esporte e uma de suas figuras mais carismáticas e populares.

Alguns especialistas no esporte, entrevistados no filme, consideram Pantani um dos últimos ciclistas "de raiz", um gênio instintivo, que não corria com a precisão matemática e as táticas sofisticadas que hoje dominam o esporte. "Ele atacava seus rivais em trechos peculiares do percurso", diz um deles. "Pantani não parecia seguir nenhuma lógica, exceto a dele mesmo".

Pantani surgiu para o mundo do ciclismo profissional em 1994, aos 24 anos, quando venceu duas etapas do Giro d'Italia, numa delas batendo o lendário espanhol Miguel Indurain. Terminou o Giro em segundo lugar, atrás do russo Evgeni Berzin.

Pantani tinha um estilo peculiar de pedalar: na escalada de montanha, sua especialidade, segurava no "drop", a parte curva na extremidade do guidão. Na descida, jogava o corpo para trás, encostando o peito no selim e descia como um bólido, atingindo velocidades, segundo o filme, de até 100 quilômetros por hora.

Numa dessas descidas suicidas (vale lembrar que profissionais ainda não usavam capacetes) na corrida Milão-Turim de 1995, Pantani se chocou contra um carro que entrou por engano no percurso. Sofreu fratura exposta na perna esquerda e passou um ano e meio em recuperação. Muitos davam sua carreira profissional por encerrada.

Mas ele voltou ainda mais forte. Venceu duas etapas do Tour de France em 1997, e no ano seguinte, teve seu maior momento, vencendo o Giro d'Italia e o Tour de France no mesmo ano. Somente sete ciclistas na história conseguiram esse feito, e nenhum depois dele.

O filme traz muitas imagens antológicas de suas vitórias, como a inesquecível etapa de escalada no Tour de France de 1998, quando perdia para o alemão Jan Ullrich por mais de três minutos e chegou com seis minutos de vantagem, e o dia em que humilhou Miguel Indurain no Giro d'Italia de 1994.

A vitória dupla em 1998 transformou Marco Pantani num herói na Itália. Por causa do hábito de correr de bandana, foi apelidado de "Pirata". Multidões acompanhavam suas performances.

Em 1999, Pantani era o favorito para ganhar tudo. Segundo um jornalista entrevistado no filme, ele não estava ganhando corridas, mas humilhando os rivais. "Ele parecia de outro planeta". Até que veio o Giro d'Italia, e a vida de Pantani sofreu um duro golpe. Faltando apenas uma etapa, ele vencia a prova com folga, quando um exame de sangue detectou um percentual de células vermelhas de 52%, 2% acima do permitido pelas regras do ciclismo profissional. O resultado poderia concluir que Pantani havia se dopado, e ele foi expulso da prova.

Pantani sempre alegou inocência. Anos depois, surgiu a notícia de que os testes poderiam ter sido manipulados pela máfia italiana, que controlava a bolsa de apostas e lucrou muito com a inesperada derrota de Pantani no Giro d'Italia.

Marco Pantani continuou a correr depois disso, mas nunca mais foi o mesmo. Entrou em depressão e começou a usar cocaína com regularidade. Em 2003, já estava internado numa clínica para tratar de seu vício em álcool e drogas. Morreu sozinho num quarto de hotel em Rimini, por overdose de cocaína. Seu enterro causou uma comoção popular na Itália digna de despedidas de grandes ídolos dos esporte, como Ayrton Senna.

Marco Pantani parecia frágil em comparação com os rivais. Tinha 1,73m e pesava 50 kg, 30 a menos que gigantes como Miguel Indurain e Jan Ullrich. Pedalava num estilo peculiar. Foi um grande ídolo popular. Teve problemas com doping e, no fim da carreira, com cocaína. Gostava de festas e mulheres.

Parece alguém?

Que tal Diego Maradona, outro esportista "raiz": baixinho, pernas curtas, gênio instintivo, que também teve problemas com drogas e curtia uma esbórnia?
Pantani e Maradona não foram apenas parecidos, mas também amigos. Diego inclusive aparece no filme, chorando no velório de Marco: "Ele morreu sozinho, e a culpa é nossa", diz Maradona no filme.

Um ótimo fim de semana a todos.

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Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

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