Sete cineastas brasileiros dão aula de patrulhamento ideológico
André Barcinski
11/05/2017 05h59
Um grupo de sete cineastas retirou seus filmes do Cine PE, festival de cinema que existe há mais de 20 anos em Pernambuco, por discordar ideologicamente de dois filmes programados para o festival.
A turma reclama da inclusão dos documentários "Jardim das aflições", de Josias Teófilo, sobre o filósofo Olavo de Carvalho, e "Real: o plano por trás da história", de Rodrigo Bittencourt, sobre as origens do Plano Real.
De acordo com uma nota pública divulgada pelos sete cineastas, a curadoria do Cine PE "favorece um discurso partidário alinhado à direita conservadora e grupos que compactuaram e financiaram o golpe ao estado democrático de direito ocorrido no Brasil em 2016. Para nós, isso deixa claro o posicionamento desta edição, ao qual não queremos estar atrelados".
Em entrevista ao jornal "Diário de Pernambuco", uma das diretoras que assina a nota, Gabi Saegesser, disse, ao justificar sua repulsa ao filme "Jardim das aflições": "O filme vai contra qualquer possibilidade de diálogo, fala sobre o filósofo Olavo de Carvalho, um dos maiores representantes do conservadorismo de direita". Para a cineasta, a presença do título na programação "é como se desrespeitasse a visão política e social de outros filmes e só reforça o ponto de vista do festival".
Brilhante o raciocínio da cineasta: para se opor a um filme que, segundo ela, "vai contra qualquer possibilidade de diálogo", critica o festival por exibi-lo. Outra pérola: segundo Saegesser, a simples presença do filme é "um desrespeito à visão política e social de outros filmes". Como se o festival não tivesse 26 filmes na programação, incluindo o dela.
Mas não acaba por aí. A cineasta disse ainda ao "Diário de Pernambuco" que "discorda da linha adotada pela organização do festival nos últimos anos, sobretudo no caso específico do produtor Alfredo Bertini, que em 2016 assumiu a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, da qual saiu em dezembro". Mesmo discordando das posições do Cine PE, os cineastas inscreveram seus filmes no festival. Por quê? Alguém os obrigou?
Com a decisão do septeto, o público do Cine PE ficará privado de assistir a títulos como "Abissal" (Arthur Leite), "O Silêncio da Noite é que Tem Sido Testemunha das Minhas Amarguras" (Petrônio Lorena), "A Menina Só" (Cintia Domit Pittar), "Baunilha" (Leo Tabosa), "Iluminadas" (Gabi Saegesser), "Não me Prometa Nada" (Eva Randolph) e "Vênus-Filó, a Fadinha Lésbica" (Savio Leite).
Não vi nenhum desses filmes. Tampouco vi os filmes sobre Olavo de Carvalho e o Plano Real. Mas acho impressionante que artistas e criadores ainda defendam não exibir certos filmes, em vez de discuti-los. É essa a nova geração de cineastas do Brasil?
Um ótimo fim de semana a todos.
Sobre o autor
André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.
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