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O melhor disco que quase ninguém ouviu

André Barcinski

19/04/2017 05h59

O Lift to Experience no início dos anos 2000


Em 1999, três sujeitos de vinte e poucos anos entraram num estúdio caseiro no Texas e gravaram um disco conceitual duplo sobre a Segunda Vinda de Cristo. Repleto de imagens apocalípticas e com uma sonoridade que devia tanto ao rock lisérgico de 13th Floor Elevators quanto a torrentes de microfonia à My Bloody Valentine e ao soft rock de Crosby, Stills & Nash, o disco só foi lançado em junho de 2001 e recebeu boas críticas, mas logo sumiu de circulação.

O timing não foi dos melhores: três meses depois do lançamento, dois aviões derrubaram as Torres Gêmeas, e o Juízo Final imaginado pela banda perdeu força em comparação com o terror verdadeiro. Para piorar, a esposa do baixista morreu de overdose durante a turnê de divulgação do disco. O líder do trio se enfurnou num vilarejo de menos de 300 habitantes, entrou em depressão, abusou de drogas variadas e quase morreu. Os três amigos brigaram e não tocaram juntos por quase 15 anos.

Esta é, resumidamente, a história do grupo Lift to Experience e de seu único LP, "The Texas-Jerusalem Crossroads", uma obra-prima que está sendo relançada pela gravadora Mute.


O LTE surgiu em Denton, no norte do Texas, em 1996. Formado por Josh T. Pearson (vocais, guitarra), Josh "The Bear" Browning (baixo) e Andy "The Boy" Young, todos filhos de pastores de diferentes denominações religiosas, a banda era conhecida apenas localmente quando tocou no festival South By Southwest, em 2000, e atraiu a atenção de Simon Raymonde e Robin Guthrie, da banda Cocteau Twins, então donos da gravadora independente Bella Union.

Josh T. Pearson mostrou a Raymonde e Guthrie as fitas – ainda não mixadas – de um LP (o primeiro de uma programada trilogia) em que o LTF descrevia o Juízo Final e decretava que o Texas era a Terra Prometida. A música era indefinível: havia partes faladas que lembravam o post-rock do Slint, trechos acústicos e melancólicos que eram puro Nick Drake, e outros segmentos absurdamente pesados de puro noise ao estilo dos primórdios de Sonic Youth e Flaming Lips. "Meu sonho era ter um trio com o ataque da Jimi Hendrix Experience e as texturas de som do My Bloody Valentine", diria Josh T. Pearson, muitos anos depois, ao jornalista Stevie Chick, da revista "Mojo".

Depois do fracasso comercial do disco – e da morte da esposa de Browning, que viu a tragédia como "manifestação de espíritos malignos" – o LTF ainda tentou trabalhar na continuação de "The Texas-Jerusalem Crossroads", mas não havia mais clima, e o grupo dispersou. Pearson se escondeu em uma pequena vila de menos de 300 habitantes no Condado de Limestone, noroeste do Texas, e passou um bom tempo trabalhando em ranchos e compondo canções sem gravá-las.

No fim dos anos 2000, Pearson se mudou para a Europa e lançou um bonito disco de baladas country, "Last of the Country Gentlemen" (2011). Mas nunca havia considerado viável uma volta do LTE até que Guy Garvey, cantor do grupo Elbow, convidado como curador do festival Meltdown, em Londres, convocasse a banda para tocar "The Texas-Jerusalem Crossroads" na íntegra.

Em junho de 2016, Pearson, Browning e Young fizeram três shows em pequenos clubes no Texas, como ensaios para a apresentação no Meltdown. Aquelas foram as primeiras apresentações ao vivo da banda desde a separação, em 2002. E em 16 de junho, o LTE subiu ao palco do Royal Festival Hall, em Londres, e fez um show muito elogiado.

Veja o LTE tocando "Into the Storm" em um dos shows no Texas, em preparação para o festival Meltdown:

Em março de 2017, a banda fez mais três shows no festival South By Southwest, no Texas, para celebrar o relançamento de "The Texas-Jerusalem Crossroads". Espero que Pearson, Browning e Young continuem a excursionar e, quem sabe, completem a tal trilogia.

ENTREVISTA COM GASTÃO MOREIRA

Dei uma entrevista para o Kazagsatão, canal do amigo Gastão Moreira no Youtube. Aqui vai o papo, caso alguém se interesse:

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Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.