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Desabafo de Titi Muller escancara jabá na TV

André Barcinski

28/03/2017 08h37

O momento mais marcante da cobertura televisiva do festival Lollapalooza ocorreu na tarde de domingo, 26 de março, quando a apresentadora Titi Muller criticou o DJ israelense Asaf Borgore. Disse Titi:

"Na medida que ele foi ganhando visibilidade, as letras compostas por ele, extremamente machistas, misóginas, babacas, foram ganhando visibilidade e, obviamente, muitas críticas. Teve muita gente que foi, inclusive, em defesa dele. A própria Nervo, que vai tocar aqui hoje e não autorizou nossa transmissão, falou que apesar dele compor letras tipo "aja como uma vadia, mas antes lave louça", eu não sei como interpretar isso, e falou que isso é só um personagem. Querido, na próxima encarnação, invente um personagem melhor. Eu gostaria de falar 'machistas não passarão', mas vai passar agora. É isso aí, Borgore. Vai que é tua, querido."

O desabafo de Titi não teve nada de excessivo. Ela não xingou o sujeito ("babacas" são as letras, não o artista) e só expôs sua opinião. Ponto para ela. Mas a repercussão de sua declaração foi imensa, e a explicação é simples: o público se surpreendeu porque não está mais acostumado a ouvir alguém dando sua opinião de forma clara. A "cobertura" de eventos corporativos como o Lollapalooza é um jabá tão escancarado que só o fato de alguém ousar criticar uma atração do evento vira notícia.

As emissoras que realizam a transmissão do Lollapalooza são o Multishow e o BIS, ambas da Globo. A Rede Globo é "media partner" do Lollapalooza, assim como o site Globo.com e o próprio Multishow.

Quem acompanha a cobertura televisiva do evento ao longo dos anos já se acostumou a só ouvir elogios às bandas e à organização do festival. Todos os artistas são ótimos, a plateia estava sempre em êxtase, e quase todos os shows foram "históricos".

Do ponto de vista comercial, é compreensível que a "media partner" do evento não critique o próprio evento. O problema é que essa cobertura amiga é tratada como cobertura jornalística, com direito a comentaristas que fazem "críticas" dos shows. E não existe diferença entre uma rádio que vende espaço para tocar certas músicas e uma emissora que vende espaço para elogiar certos festivais.

Infelizmente, vender jabá como jornalismo virou regra em nossa mídia. E o público, cada vez mais, não percebe a diferença.

O blog volta sexta.

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Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.