Há duas décadas, Metallica no Lollapalooza já era estranho
André Barcinski
15/03/2017 05h59
Em 1996, quando foi anunciada a escalação da sexta edição do festival Lollapalooza, nos Estados Unidos, muita gente chiou. O evento era um dos mais importantes da cena do rock alternativo no mundo, e as atrações principais costumavam ser bandas ligadas à cena "indie", como Sonic Youth (1995), Smashing Pumpkins (1994) e Jane's Addiction (1991).
Quando o então chefão do Lollapalooza, Perry Farrel, líder do Jane's Addiction, anunciou que a atração principal daquela edição seria o Metallica, muitos o criticaram por ter "se vendido" ao rock comercial.
Eram outros tempos. Havia ainda um grande preconceito do público do Lollapalooza contra o "mainstream", e reinava uma visão de que as bandas que costumavam se apresentar no evento – Sonic Youth, Ministry, Smashing Pumpkins, Beastie Boys, Hole, etc. – representavam o rock "alternativo", embora não fossem bandas independentes há um bom tempo e estivessem todas assinadas com gravadoras tão imensas quanto a do Metallica.
Mas o fato é que a presença do Metallica significou o fim de uma era no Lollapalooza. Kurt Cobain havia se matado dois anos antes, e o reinado do "grunge" tinha acabado. A escalação do Metallica, junto a Soundgarden, Ramones, Rancid, Screaming Trees, Psychotica e os Monges Shaolin, foi considerada uma "apelação" de Perry Farrel, uma tentativa de atrair um outro tipo de público para o festival.
Fui a alguns shows daquela edição, até porque era a última turnê dos Ramones (aliás, os dois últimos shows dos Ramones em Nova York aconteceram no Lollapalooza, num horroroso estádio de futebol em Randall's Island, em 10 e 11 de julho), e lembro que o clima não foi dos melhores. Havia uma nítida sensação de decadência, de que aquele evento já tinha visto dias mais felizes.
O festival do ano seguinte, com Orbital, Prodigy, Devo e Snoop Doggy Dogg, foi um fracasso tão grande que o Lollapalooza ficou seis anos parado. Voltou em 2003 e no ano seguinte foi cancelado por baixa venda de ingressos. O evento só voltaria a acontecer com regularidade em 2005, quando Farrell aliou-se a duas empresas imensas do setor de entretenimento, a produtora C3 e a agência Wiliam Morris. O Lollapalooza deixou de ser um evento itinerante e passou a ser realizado apenas em Chicago. Em 2011, passou a ter edições em outros países (Chile, Brasil, Argentina, Alemanha) e em 2014 foi comprado pela gigante Live Nation, uma das maiores empresas de entretenimento do planeta, dona de 300 arenas e teatros em todo o mundo, 850 estações de rádio nos Estados Unidos, e responsável pelo agenciamento de 350 artistas, incluindo Madonna, U2, Jay-Z e Shakira, além de dona da Ticketmaster, a maior empresa de venda de ingressos do mundo.
E hoje, o que representa o Metallica no Lollapalooza? Nada contra o Metallica, que é uma grande banda e tem uma carreira admirável, mas o Lollapalooza, embora ainda atraia multidões, não tem mais nenhuma relevância artística ou cultural. Ninguém vai ao festival para ver bandas novas, e ele perdeu totalmente o papel de "lançador" de novos nomes. Vale lembrar que foi no Lollapalooza que o grande público teve seus primeiros contatos com bandas como Pearl Jam, Rage Against the Machine, Cypress Hill, Nine Inch Nails e Tool.
O Lolla acontece em São Paulo nos dias 25 e 26 de março. As atrações principais são Metallica e Strokes. Um bom show para quem for.
Sobre o autor
André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.
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