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Show do Wilco no Rio foi antológico

André Barcinski

07/10/2016 03h13

Como é bom ver um show de rock no Rio de Janeiro: por mais famosa, importante e influente que seja a banda, o local nunca estará lotado. Na noite de quinta, no show do Wilco, o Circo Voador não tinha nem metade de sua lotação de 2400 pessoas. Na porta, cambistas ofereciam ingressos com desconto. Só mesmo a Cidade Maravilhosa para nos permitir ver o Wilco a dois passos do palco, com banheiros vazios e bares sem fila.

O show foi antológico. Vinte e nove músicas em 2h30, com um público emocionado e uma banda que parecia não acreditar no que estava acontecendo. No final de "Impossible Germany", depois de um solo absurdamente lindo do guitarrista Nels Cline e com a platéia do Circo cantando em coro a melodia da canção, Jeff Tweedy virou-se para a banda e disse: "A gente podia acabar o show agora!".

Foi uma dessas noites perfeitas, de conexão total entre artista e público, com uma intimidade que só um palco pequeno pode proporcionar. Um dos melhores shows de rock que vi no Brasil. Tão emocionante quanto este, só lembro dois: Echo and the Bunnymen no Canecão em 1987 e Ramones no Dama Xoc em 1991.

O Wilco surgiu em 1994 como uma dissidência da banda de alt-country Uncle Tupelo. Seus primeiros discos traziam influências de música country e do power pop de Big Star e Replacements. Com "Yankee Hotel Foxtrot" (2001), Tweedy começou a levar o grupo numa direção mais livre e experimental, especialmente depois de iniciar uma parceria com o músico e produtor Jim O'Rourke (Sonic Youth, Stereolab, Joanna Newson), conhecido por seus trabalhos vanguardistas e gosto pela improvisação.

Foi O'Rourke que recomendou a Tweedy o percussionista Glenn Kotche e que o inspirou a cercar-se de músicos ligados ao jazz e à música experimental, como o extraordinário guitarrista Nels Cline. Desde 2004, com a chegada de Cline, a formação do Wilco se estabilizou: Jeff Tweedy (vocais, guitarra), Nels Cline (guitarra), Pat Samsone (guitarra, teclados), Mikael Jorgensen (teclados), Glenn Kotche (bateria, percussão) e o baixista John Stirratt, o único músico, além de Tweedy, da formação original do Wilco.

Os seis subiram ao palco do Circo Voador às 22h30 e abriram com a pesada "Random Name Generator", do álbum "Star Wars" (2015). Depois veio a linda e lenta "I am Trying to Break Your Heart", uma das preferidas dos fãs, emendada na barulhenta "The Art of Almost", que lembra, em seu ritmo repetitivo e improvisos cheios de microfonia, os melhores momentos de bandas alemãs como Can e Neu!. Em três músicas, o Wilco mostrava uma variedade impressionante de estilos e influências.

O público esperava as músicas mais conhecidas – "Misunderstood", "Via Chicago", "Hummingbird", "Handshake Drugs" – mas também aplaudiu canções novas, como "If I Ever Was a Child" e "Cry All Day", do disco "Schmilco", lançado há um mês.

A empolgação do público chegou ao auge em "Impossible Germany". Tweedy, com um sorriso imenso no rosto, disse: "Vocês são uma das plateias mais fantásticas que já vimos". Quando o Wilco emendou "Box Full of Letters" (do primeiro disco, "A.M.", de 1994) a uma das canções favoritas dos fãs, "Heavy Metal Drummer", a reação foi impressionante.

Depois de 1h55 e 23 músicas, a banda saiu do palco. O público reagiu entoando um grito de torcida de futebol: "Olê, olê, olê, olê… Wilcooo.. Wilcoooo…". Os músicos voltaram do camarim rindo da demonstração carinhosa de hooliganismo indie. O clima estava tão bom que Jeff Tweedy chamou ao palco um fã, César, para tocar guitarra em "California Stars" (do álbum "Mermaid Avenue", gravado em parceria com Billy Bragg e composto de letras inéditas do cantor folk Woody Guthrie). E o tal do César arrebentou, fazendo um duelo de solos com Nels Cline. Foi surreal.

O primeiro bis teve cinco músicas (incluindo a esperadíssima "Jesus, etc.") e terminou com "Outtasite (Outta Mind)". Mais um pequeno intervalo, e os caras voltaram pro encerramento com a grande "Spiders (Kidsmoke)". Fim de papo.

O Wilco toca esse fim de semana em São Paulo. Sei que a situação está braba e ninguém tem dinheiro sobrando, mas se você aceita uma sugestão, peça grana emprestada, venda uns discos, faça qualquer coisa, mas não perca esse show de jeito nenhum. É uma chance rara, raríssima, de ver uma grande banda de rock em seu auge.

Aqui, o setlist da noite:

E atenção, promotores brasileiros: dias 12 e 15 de novembro, The Brian Jonestown Massacre toca na Argentina. Quem se habilita a trazê-los? Ver Anton Newcombe e sua trupe no Circo Voador seria insuperável.

Um ótimo fim de semana a todos.

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Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.