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Nick Cave, AC/DC, James Taylor, e grandes discos nascidos de tragédias

André Barcinski

05/10/2016 05h59

"Skeleton Tree", novo disco de Nick Cave – e o 16º com a banda The Bad Seeds – abre com uma faixa chamada "Jesus Alone". O primeiro verso da letra diz: "Você caiu do céu / e se espatifou num campo / próximo ao rio Adur" ("You fell from the sky / crash landed in a field / near the river Adur").

Para um ouvinte qualquer, o verso não é muito diferente de centenas de outros escritos por Cave em sua carreira de quase 40 anos, com o poder descritivo e quase jornalístico de suas letras, que transporta o ouvinte imediatamente para uma cena saída da imaginação do autor. Para quem está familiarizado com as circunstâncias sob as quais o disco foi composto, no entanto, ouvir uma frase dessas é um soco no estômago.

Em julho de 2015, o filho de Cave, Arthur, de 15 anos, morreu ao cair acidentalmente de um penhasco próximo a Brighton, onde mora a família. O rio Adur corta a região de Sussex, onde fica Brighton.

Nick Cave e seus parceiros do Bad Seeds já trabalhavam no disco quando a tragédia aconteceu. Cave reescreveu várias letras do álbum, incorporando às canções uma poética dilacerante. O resultado é extremo até para um compositor acostumado ao lúgubre e sombrio. Com a sonoridade espartana e atmosférica do disco, cheio de texturas eletrônicas, quase "ambient", "Skeleton Tree" é um dos trabalhos mais tristes de Cave, mas lindo em sua crueza.

Para evitar dar entrevistas sobre o disco e falar com a imprensa sobre a morte do filho, Cave convidou o cineasta Andrew Dominik ("O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford") para filmar as gravações de "Skeleton Tree". O resultado é o documentário "One More Time With Feeling", ainda inédito por aqui. Espero que alguém lance logo o filme no Brasil. Veja o trailer:

GRANDES DISCOS INSPIRADOS POR TRAGÉDIAS PESSOAIS

James Taylor – Sweet Baby James (1970)

Apesar do título aparentemente ingênuo, o segundo disco de Taylor é uma paulada. Algumas letras falam das incontáveis internações do compositor em clínicas para tratar de depressão e vício em drogas (uma das várias histórias incríveis sobre Taylor: um dia, ele sofreu uma crise ao ter uma visão de seu ídolo, Ray Charles, internado na mesma clínica; mas não era miragem: Charles realmente estava lá, fazendo tratamento de metadona para combater o vício em heroína). A faixa mais conhecida do disco, "Fire and Rain", fala sobre Suzanne Schnerr, uma amiga de infância que cometeu suicídio.

 

Nina Simone – Nina Simone in Concert (1964)

Em junho de 1963, o ativista negro Medgar Evers foi morto com um tiro nas costas pelo supremacista branco Byron De La Beckwith. Nina Simone, amiga pessoal de Evers, ficou em choque. Três meses depois, uma bomba matou quatro meninas negras numa igreja no Alabama. Num ataque de fúria, Simone compôs "Mississipi Goddam", uma das canções de protesto mais viscerais já escritas. Ela incluiu a música – junto a várias outras canções de protesto – no álbum "Nina Simone in Concert", gravado no Carnegie Hall, em Nova York. O disco marcou o início da fase mais politizada e confrontacional da carreira da cantora.

 

Neil Young – Sleeps With Angels (1994)

Neil Young e a banda Crazy Horse estavam em estúdio quando receberam a notícia do suicídio de Kurt Cobain. Young era fã de Cobain e ficou chocado ao saber que o cantor do Nirvana citara um trecho de "Hey Hey, My My (Into the Black)" em sua carta de despedida. "Aquilo fodeu comigo", diria Young mais tarde. Ele e a banda voltaram ao estúdio e compuseram a música "Sleeps With Angels", que deu nome ao disco.

 

AC/DC – Back in Black (1980)

Em fevereiro de 1979, depois de uma noite insana de bebedeiras, o cantor do AC/DC, Bon Scott, foi encontrado morto em um carro em Londres. A banda – que, numa coincidência mórbida, estava trabalhando numa faixa chamada "Have a Drink on Me" ("Tome um Trago Por Minha Conta") – não esmoreceu: recrutou o cantor Brian Johnson e gravou "Back in Black" em tributo a Scott. O disco vendeu algo como 50 milhões de cópias.

 

David Crosby – If I Could Only Remember My Name (1971)

No ranking de discos mais tristes de todos os tempos, esse aqui vai em busca do ouro. Depois da morte da namorada, Christine Hinton, em um acidente de carro, Crosby, que já não era o mais comedido e centrado dos homens, entrou numa espiral de drogas e loucura que assustou até amigos e veteranos do excesso, como Stephen Stills e Jerry Garcia. "If I Could Only Remember My Name" ("Se Eu Pudesse Ao Menos Lembrar Meu Nome") é uma espécie de "intervenção" em formato musical: uns 20 músicos, incluindo Neil Young, Graham Nash, Joni Mitchell, Garcia, Phil Lesh e Grace Slick se juntaram para dar uma força a Crosby no estúdio, e o resultado foi uma obra-prima.

O blog volta sexta, com a cobertura do show do Wilco no Rio. Até lá!

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Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

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Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.