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'Medo e Delírio': filme conta a vida louca de Oscar Acosta, o 'Dr. Gonzo'

André Barcinski

31/10/2018 05h59

Dupla da pesada: Hunter S. Thompson e Oscar Zeta Acosta, o "Dr. Gonzo"

"Estávamos em algum lugar perto de Barstow, à beira do deserto, quando as drogas começaram a fazer efeito."

Assim começa "Medo e Delírio em Las Vegas – Uma Jornada Selvagem ao Coração do Sonho Americano", o clássico romance sobre drogas e o fracasso da contracultura, escrito por Hunter S. Thompson em 1971, que narra uma viagem de carro para Las Vegas com o porta-malas lotado de barbitúricos, mescalina, cocaína e todo tipo de alucinógenos e estimulantes.

Hunter não estava sozinho nessa viagem (perceba que o verbo está na primeira pessoa do plural: "Estávamos"). No livro, ele descreve seu companheiro de aventura como "meu advogado samoano de 130 quilos, Dr. Gonzo".

De fato, "Dr. Gonzo" era advogado e pesava algo em torno de 130 quilos. Mas não era samoano: Oscar Zeta Acosta havia nascido 36 anos antes em El Paso, no Texas, de pai mexicano e mãe texana. Era, nas palavras do próprio Hunter, "o único ser humano mais louco que eu".

Sábado, dia 2, dentro do festival Phenomena, o Museu da Imagem do Som de São Paulo exibirá, às 14h30, o documentário "The Rise and Fall of the Brown Buffalo", sobre a vida louca de Oscar Zeta Acosta (aliás, sugiro conferir a ótima programação do festival, especializado em filmes de gênero e que ocupará cinco salas em São Paulo, de 1 a 9 de novembro).

Dirigido pelo norte-americano Phillip Rodriguez, o filme foi produzido pelo ator Benicio Del Toro, que interpretou Acosta em "Medo e Delírio" (1998), de Terry Gilliam, e exibido na PBS, uma emissora pública dos Estados Unidos.

Veja Del Toro no papel de Dr. Gonzo (Acosta) e Johnny Depp como Raoul Duke (Hunter S. Thompson) em "Medo e Delírio":

Para contar a vida de um personagem tão extravagante, o diretor Rodriguez optou por uma narrativa pouco convencional: em vez de entrevistar pessoas que conheceram Acosta, o diretor escalou atores que interpretam os entrevistados. Um ator interpreta Hunter S. Thompson falando sobre o amigo, uma atriz interpreta a esposa de Acosta, etc. Misturado a imagens antigas do Acosta de verdade, esses "depoimentos" ajudam a contar a trajetória bizarra do homem conhecido por "Búfalo Marrom".

Atenção: o texto a seguir contém spoilers.

E que vida teve nosso amigo: filho de um índio mexicano, serviu na Força Aérea e foi o primeiro membro da família a terminar uma faculdade. Acabou envolvido com a Igreja Católica, virou pastor e passou um tempo catequizando índios no interior do Panamá.

Acosta logo se desiludiu com a religião, voltou para os Estados Unidos, e em 1967 foi a Aspen, no Colorado, onde conheceu Hunter S. Thompson. Os dois dividiam gosto por armas, drogas e desobediência civil, e tornaram-se grandes amigos.

Acosta também cansou de Aspen e acabou em Los Angeles, onde se envolveu com "El Movimiento", um grupo radical de latinos que lutava pelos direitos civis de imigrantes latino-americanos nos Estados Unidos. Acosta virou advogado do grupo e ficou conhecido pelo visual extravagante (ia aos tribunais sem sapatos e com gravatas coloridas de motivos aztecas) e por desafiar o "sistema branco, velho e rico". Hunter S. Thompson conta que Acosta chegou a botar fogo no jardim da casa de um juiz que havia julgado um de seus casos.

Nos Estados Unidos do fim dos anos 60, com a Guerra do Vietnã e os conflitos raciais e sociais que incendiaram o país, Oscar Zeta Acosta tornou-se um símbolo da luta dos "Chicanos". Mas era louco demais para se enquadrar em qualquer organização, e acabou banido do Movimento Chicano.

Quando Thompson publicou "Medo e Delírio", Acosta o processou, exigindo metade do dinheiro pela "coautoria" da história. Acabou fazendo um acordo com a editora e publicando "A Autobiografia de um Búfalo Marrom" (1972), versão ficcionalizada de sua vida.

Em 1974, Oscar Zeta Acosta foi para o México e, segundo relatos, se envolveu com traficantes. De Mazatlán, região de Sinaloa, Oscar ligou para o filho, Marco, nos Estados Unidos, e disse que estava prestes a "pegar um barco cheio de neve".

Ninguém viu Oscar Zeta Acosta depois disso.

Um ótimo feriado a todos. O blog volta segunda, 5 de novembro.

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Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.