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“Eu joguei um sapato em Nick Cave... e errei!”

André Barcinski

10/10/2018 05h59

Gil Jorge em Paraty (RJ)

Quando subir ao palco do Espaço das Américas, em São Paulo, no domingo, 14 de outubro, Nick Cave voltarà à cidade onde tocou pela primeira vez em abril de 1989.

Naquele ano, o cantor australiano não apenas fez shows inesquecíveis por aqui, mas se meteu numa história de paixão e ciúme que parece ter saído de uma de suas letras.

Como toda boa história de conflito amoroso, esta tem três personagens. Além de Nick Cave, há um brasileiro chamado Gil Jorge, e uma mulher que será chamada apenas de "W.", para preservar seu anonimato.

Atualmente, Gil Jorge tem 57 anos e é dono de restaurantes em Paraty (RJ). Também é poeta e publicou "Mínimas", um livro de poesia concreta. Em 1989, Gil trabalhava de gerente no Cais, um porão escuro na Praça Roosevelt que reunia as tribos do punk, gótico e EBM. Gil e W. eram namorados. Até que pintou Nick Cave…

Antes do Cais, você já havia trabalhado em casas importantes da noite paulistana…
Sim, trabalhei no Madame Satã e no Ácido Plástico, em Santana. A Ácido Plástico ficava numa antiga igreja, ao lado do então presídio do Carandiru. Aquilo era uma loucura: as senhorinhas católicas de Santana viviam dando as mãos e fazendo uma corrente em volta da boate para não deixar entrar os "pecadores". Imagina umas tias tentando barrar o pessoal do Olho Seco? Às vezes tinha fuga de presos no Carandiru, e a polícia fechava a rua e mandava a gente trancar as portas. Ficava uma multidão de punk lá dentro, ouvindo os tiros na rua…

Em 89, você já estava no Cais e namorava a W….
Sim, mas nosso relacionamento era de neurose absoluta: a gente ficava um tempo juntos, depois brigava feio, aí cada um ficava com outra pessoa, depois voltava, era bem instável. Mas ficamos juntos por um bom tempo, talvez uns três anos.

Aí pintou o Nick Cave…
Eu era fã do Nick Cave e comprei o ingresso [para o show no Projeto SP] assim que abriram as vendas. Naquela época, W. e eu estávamos brigados, e fui sozinho ao Projeto SP. Aí começa o show, e quem está na primeira fila, mandando beijinhos e gritando "Nick, I love you!"? Minha namorada! Fiquei puto! Pra piorar, o Nick Cave passou o show inteiro olhando pra ela e cantando pra ela. Terminou o show, eu estava arrasado, e fui encher a cara. Bebi pra cacete. Aí, um amigo chegou e disse: "Gil, não sei devia te contar, mas parece que tá rolando alguma coisa da W. com o Nick Cave…"

Nick Cave sempre foi um rockstar dos mais elegantes…

O que você fez?
Eu estava completamente bêbado, e fiz o que todo bêbado faz: fui pra casa dela tomar satisfação. Ela morava numa casa na Vila Madalena. Cheguei na porta, toquei a campainha, gritei, fiz um escândalo, e ninguém deu um pio. Só respondeu o cachorro, que a W. e eu tínhamos criado juntos. Naquele dia, até o desgraçado do cachorro tentou me agredir, vê se pode? Logo eu, que tinha cuidado dele com tanto carinho…

Ninguém mais apareceu? Só o cachorro?
Continuei tocando a campainha e, de repente, quem aparece na porta? O Nick Cave. Comecei a xingar o cara, falar um monte de palavrões: "Seu filho da puta, vou te matar!", aquelas coisas. A casa era meio alta, a entrada ficava acima do nível da rua, e o Nick chegou mais perto de mim, mas ainda afastado. Eu estava louco de raiva e, até hoje não sei por que, tirei meu sapato e arremessei na cara dele.

E pegou?
Passou raspando. Pior: o sapato bateu numa quina e caiu na varanda. E era um sapato que eu tinha comprado numa sapataria bacana da Vila Madalena chamada Doutor Phibes. Eu amava aquele sapato…

Acabou aí a briga?
O Nick voltou pra dentro da casa e eu fui, mancando, pro carro. Cheguei em casa puto da vida. A primeira coisa que fiz foi quebrar todos meus discos do Nick Cave. Mas a briga não acabou aí…

Não?
Não. Alguns dias depois, estou no Cais e chega a W., acompanhada pelo Nick. Claro que ela foi lá só pra me sacanear! Eu fiquei louco de raiva, chamei o chefe da segurança e disse: "Esse cara não entra aqui!". Os clientes acharam que eu tinha enlouquecido: "O que é isso, vai barrar o Nick Cave?" A situação ficou quente, e um dos donos do Cais me chamou de canto: "Gil, puta que pariu, é o Nick Cave, você vai barrar o cara? Todos os clientes são fãs do cara". Eu disse que se eles entrassem, eu saía.

E como terminou a história?
O dono me dispensou. Eles entraram e eu fui embora.

A história ficou famosa no mundinho alternativo paulistano…
Ficou sim. E meus amigos, que são todos uns desgraçados, trataram de manter a história viva: o Magal, que era DJ do Cais, dizia: "Gil, hoje tô pensando em fazer um set só de Nick Cave, o que você acha?". O Arthur Veríssimo [jornalista e DJ] também vivia fazendo piada com a história. Eu tinha um amigo que, sempre que me dava carona, colocava uma fita daquele cantor brega, o Falcão, com a música "Só é corno quem quer".

Mas parece que a história tem um final feliz…
Tem sim. Alguns anos depois, por volta de 1993 [Cave morou no Brasil entre 1990 e 93], eu era um dos donos de outra casa noturna, o Jungle, e meu amigo Pamps [Sérgio Pamplona, guitarrista do Smack e Mercenárias, morto em 2015, aos 62 anos] apareceu um dia com o Nick Cave. Pamps era amigo do Nick e disse que já era hora de nós acabarmos com aquela briga toda. E nós fizemos as pazes.

Depois você largou a noite e virou dono de restaurante em Paraty…
Sim, tenho dois restaurantes na praia do Jabaquara, em Paraty. Vim para Paraty há 15 anos, fugindo do trânsito e da poluição de São Paulo. Antes tentei abrir um negócio em Ilhabela, mas não aguentei os nouveaux riches e os borrachudos.

Você vai ao show do Nick Cave?
Infelizmente não, estou muito ocupado com os restaurantes. Mas gostaria de mandar um abraço ao Nick e agradecer a ele por nossa briga. Se não fosse pelo Nick, eu talvez não tivesse conhecido minha mulher, a Jacira, com quem estou há 24 anos.

QUER SABER COMO FOI O SHOW DE NICK CAVE EM BUENOS AIRES?
Estou em Buenos Aires para o show de Nick Cave and the Bad Seeds. Na sexta, dia 12, publico aqui no blog uma crítica do show.

E TEM FESTA DO GARAGEM!
E no sábado, dia 13, vou discotecar com os amigos Paulão, Mexicano e Mitkus na Festa do Garagem, na Z Carniceria (Av. Brigadeiro Faria Lima, 724, próximo à estação Faria Lima do metrô). Farei um set apenas com músicas que nunca tocaram na festa. Estão todos convidados. Maiores informações aqui.

Visite meu site: andrebarcinski.com.br

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.