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ETs, OVNIs e 160 músicos: como os Carpenters fizeram seu disco mais bizarro

André Barcinski

01/10/2018 05h59

Em 1976, Richard Carpenter, que formava com a irmã, Karen, o duo Carpenters, ouviu uma música que o impressionou muito: "Calling occupants of interplanetary craft", do grupo canadense Klaatu.

O Klaatu fazia uma peculiar mistura de sons progressivos, psicodelia e rock sinfônico. Seus integrantes se interessavam por ocultismo e vida em outros planetas.

Os discos do grupo eram cheios de referências a OVNIs e ETs: Klaatu era o nome do extraterrestre do filme "O dia em que a terra parou", de 1951. O primeiro LP do grupo saiu em 1976 e se chamava "3:47 EST", o horário em que, no filme, Klaatu chegava à Terra.

A música que abria o disco do Klaatu era "Calling occupants of interplanetary craft". A letra foi inspirada por um livro que contava a história de uma organização, Bureau Internacional dos Discos Voadores, que em 1953 convidara seus associados a participar do "Dia mundial do contato", quando eles enviariam uma mensagem telepática coletiva conclamando extraterrestres a visitar a Terra. A mensagem começava com a frase "Chamando ocupantes de naves interplanetárias…".

A letra trazia versos como:

"Vocês têm observado nossa Terra / e gostaríamos de fazer contato com você"

"Por favor, venha em paz / somente o nosso amor pode ensinar / nossa Terra talvez não sobreviva / então venha, lhe imploramos"

"Por favor, policial interestelar / nos dê um sinal / de que recebeu nossa mensagem".

Assim que ouviu a canção, Richard Carpenter decidiu gravá-la, mesmo que não fosse exatamente material típico dos Carpenters, conhecidos por baladas românticas como "(They long to be) close to you", "Superstar", "Rainy days and Mondays", "Yesterday once more" e "We've only just begun".

Na verdade, o auge comercial dos Carpenters havia passado, e eles não vendiam tantos discos quanto na primeira metade dos anos 1970 (hoje, o total de discos vendidos pelo grupo é de cerca de 90 milhões).

Mas isso não parecia importar para a gravadora A&M, casa dos Carpenters, que deu a Richard carta branca – e muita grana – para gravar a música como bem entendesse. E Richard, tão talentoso quanto megalômano, acabou produzindo um dos compactos mais caros e ambiciosos da história da música pop. E um dos mais estranhos também.

No total, cerca de 160 músicos participaram da gravação, incluindo a Orquestra Filarmônica de Los Angeles, um coral de 60 pessoas, e um time dos melhores arranjadores e músicos de estúdio dos Estados Unidos, como o baixista Joe Osborn (Simon & Garfunkel, Neil Diamond), o baterista Ron Tutt (Elvis Presley, Roy Orbison), o oboísta Earle Dumler (Nina Simone, Tim Buckley) e o guitarrista Tony Peluso, que acompanhava os Carpenters desde o início da carreira do grupo. "Aquela música custou mais caro que vários discos nossos", diria Karen Carpenter após a gravação.

Karen e Richard gravaram uma música de mais de sete minutos de duração, com uma introdução de quase um minuto, em que um radialista conversava por telefone com um ET. Quando a gravadora ouviu a canção, implorou a Richard para reduzir a duração da música. Richard recusou. Depois de intensas discussões, artista e gravadora chegaram a um acordo: a versão integral entraria no LP dos Carpenters, "Passage" (1977), enquanto uma versão reduzida, de quatro minutos, seria lançada em compacto. Dois meses depois do lançamento de "Passage", Steven Spielberg estreava "Contatos imediatos do terceiro grau", provando que a busca por ETs estava mesmo na moda.

Veja a versão completa de "Calling…":

"Calling occupants of interplanetary craft" foi um sucesso moderado, chegando ao 32o lugar na parada da "Billboard". Era pouco para quem já tinha lançado três números um e cinco números dois, mas, ainda assim, um bom resultado.

É um velho clichê criticar as grandes gravadoras do passado por supostamente tolher a liberdade artística de seus contratados. Para muitos, as gravadoras eram as vilãs da indústria musical, corporações malévolas que sugavam o sangue dos pobres músicos e os obrigavam a lançar discos comerciais de má qualidade.

A história deste compacto mostra que a realidade não foi bem assim. Aqui, temos uma gravadora gigantesca (a A&M era parte da Polygram) investindo uma fortuna para permitir a seu artista, já longe de seu auge de vendas, a embarcar em um vôo criativo de enorme risco comercial.

A canção seria o penúltimo sucesso da carreira dos Carpenters. O último foi "Touch me when we're dancing", lançado em 1981, dois anos antes de Karen morrer, de anorexia, aos 32 anos.

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Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.