Topo

Como a "Folha" de Otavio Frias Filho me ensinou a ser jornalista

André Barcinski

31/08/2018 05h59

Qualquer um que goste de jornalismo ficaria impressionado com a turma ali reunida: Clóvis Rossi, Nelson Ascher, Matinas Suzuki, Boris Casoy, Marcelo Rubens Paiva, Barbara Gancia, Helio Schwartsman, Natuza Nery, Jaime Spitzcovsky, Paula Cesarino Costa, Juca Kfouri, Marcelo Tas, Patricia Campos Mello, Reinaldo Azevedo, Tereza Rangel, Vinicius Torres Freire, Thea Severino, Josias de Souza, Eugenio Bucci, Suzana Singer, Todd Benson, Ana Estela de Sousa Pinto, Marcelo Leite, Didiana Prata, Cassiano Elek Machado, Fernanda Godoy, Ivan Finotti, Laura Mattos, Marcos Augusto Gonçalves, Plinio Fraga, Marcelo Coelho, Álvaro Pereira Jr., Nelson de Sá, Claudia Collucci, Eduardo Scolese, Francesca Angiolillo, Hélio Gurovitz, Marlene Bergamo, Sergio Malbergier, Frederico Vasconcelos, Andrew Greenlees, Jorge Araújo, Julia Duailibi, Sérgio Dávila, Teté Ribeiro, Eleonora de Lucena, Rodolfo de Lucena, e vários outros que não vi por lá.

Se é verdade que uma empresa só é tão boa quanto seus funcionários, o grupo de jornalistas presente à cerimônia inter-religiosa em homenagem a Otavio Frias Filho, realizada em São Paulo, em 27 de agosto de 2018, foi uma boa mostra do nível da redação do jornal.

Nos dias seguintes à morte de Otavio, ocorrida em 21 de agosto de 2018, muitos colegas escreveram sobre ele. Eu não conhecia Otavio muito bem, só estive com ele meia dúzia de vezes nos últimos 28 anos, e julguei que havia gente muito mais capacitada a escrever sobre seu trabalho e legado.

Mas vendo toda aquela turma reunida na cerimônia, achei que deveria deixar um depoimento de alguém que foi profundamente impactado pelo jornalismo que a "Folha" de Otávio ajudou a criar, a partir dos anos 1980.

Em meados daquela década, eu estudava jornalismo e lia a "Folha" diariamente, com interesse especial pela "Ilustrada" de Paulo Francis e Pepe Escobar.

O que mais me atraía na "Ilustrada" era um ar combativo, que destoava bastante do jornalismo cultural feito no país naquela época.

Para exemplificar, fiz uma rápida busca na Internet e achei um texto de Pepe Escobar publicado em maio de 1985 e intitulado "Questões de Crítica e Autocrítica". Pepe escrevia:

Para se exercer uma crítica a sério, neste país, o candidato deve ser antes de tudo – e literalmente – um pugilista. Caso seja apenas um esteta, é melhor desesperar. Não há tradição de debate via mídia, nem a maioria absoluta da mídia tem uma formação no mínimo aceitável. É verdade que não há muito o que criticar – devido à indigência cultural vigente. O que existe é do balacobaco. Mesmo assim, não se critica.

Imagine um adolescente aspirante a jornalista cultural, abrindo o jornal e dando de cara com um texto desses? É de mudar o horizonte.

Não estou dizendo que o jornalismo da "Ilustrada" era melhor ou pior do que os de outros cadernos culturais (trabalhei no "Caderno B" do "Jornal do Brasil" com profissionais do calibre de Tárik de Souza, Susana Schild, Arthur Dapieve, João Máximo e Jamari França), mas a "Ilustrada" se adequava mais às minhas convicções sobre o papel do jornalismo cultural.

Há um documentário sobre a "Ilustrada" dos anos 1980, dirigido por Miguel de Almeida e Luiz Cabral, cujo título resume perfeitamente o que me atraía no caderno: "Não Estávamos Ali Para Fazer Amigos".

Cheguei à "Ilustrada" em 1990 e caí de paraquedas numa editoria que tinha Nelson Pujol Yamamoto, Antônio Gonçalves Filho, Bia Abramo, Carlos Calado, Luis Antônio Giron, Jean-Yves de Neufville, Mara Gama, Mario Cesar Carvalho, Teté Martinho, Ricardo Anderáos, Inácio Araújo, Erika Palomino, Alcino Leite Neto, Celso Fioravante e Israel do Vale, entre outros. Ou você aprendia a brincar ou nem descia pro play.

O ritmo de trabalho era brutal. O "pescoção" – adiantamento das edições de domingo e de parte da edição de segunda – entrava madrugada adentro, e geralmente terminava com uma média e pão com manteiga em alguma padaria próxima à Barão de Limeira. Mas eu não reclamava. Estava exatamente onde queria.

O nível de cobrança era altíssimo. Jornalistas recebiam notas por desempenho e se apavoravam com a ideia de ter seus nomes estampados na seção "Erramos" ou, pior, na coluna do(a) ombudsman. Não era agradável, mas a chefia do jornal também não estava lá para fazer amigos.

O que eu sei é que o estilo obsessivo e perfeccionista que Otavio implantou na "Folha", em que a redação se autocriticava continuamente, me tornou um jornalista melhor e mais preocupado com a qualidade da informação. Por isso, sou muito grato a ele.

Durante a cerimônia em homenagem a Otavio, brinquei com um amigo que a coisa mais "Folha" que se poderia fazer naquela circunstância seria escalar um crítico bem severo para avaliar imparcialmente o evento. Acho que Otavio teria gostado da ideia.

Um ótimo fim de semana a todos.

Visite meu site: andrebarcinski.com.br

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.