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Supla no maior show punk: "Na gringa não sabem que sou filho de políticos"

André Barcinski

22/08/2018 05h58

Foto: Rachel Coutinho Geggus

Supla acaba de voltar de uma apresentação no festival Rebellion, na Inglaterra.

Fundado há 22 anos com o nome de Holidays in the Sun, o Rebellion é um dos maiores festivais de punk rock do mundo. Acontece num imenso complexo de teatros chamado Winter Gardens em Blackpool, na costa oeste inglesa.

Durante quatro dias, cerca de 350 – isso mesmo, trezentas e cinquenta – bandas se apresentam em sete palcos. Alguns dos headliners de 2018: Buzzcocks, Public Image Ltd., Stiff Little Fingers, Peter Hook and the Light, UK Subs, Cockney Rejects, Angelic Upstarts, Lagwagon, T.S.O.L., Adicts e Dickies.

O festival é produzido de forma independente, não tem patrocínios, e é conhecido pelo espírito de cooperação e camaradagem entre bandas, público e organização. A relação com a cidade de Blackpool é a melhor possível, e o evento gera enorme receita para a cidade.

Veja uma reportagem sobre o Rebellion:

A presença brasileira não é pequena. Além de Supla, tocaram Subalternos, Sindicato Oi, Dedo Podre, Sem Futuro e Agrotóxico.

Bati um papo com Supla sobre o festival e o novo disco do cantor, "Illegal". É o 15º álbum da carreira de Supla, incluindo três com o duo Brothers of Brazil (projeto com o irmão, João Suplicy), dois nos anos 80 com a banda Tokyo, um com o grupo punk Psycho 69 e nove discos solo.

"Illegal" é um disco duplo com 32 faixas – 16 em português e as mesmas 16 traduzidas para o inglês.

Aqui vai o papo:

Essa música nova, "Illegal", tem uma pegada bem power pop, bem radiofônica…
Com certeza. Eu gosto de música em que eu possa entender as coisas, entender a letra e a mensagem. E minhas letras são bem na sua cara, bem claras. Eu gosto de uma sonoridade clara, mas também gosto de bandas mais pesadas.

Como surgiu o convite para o festival "Rebellion"?
Partiu de um contato com que o Cacá Prates [conhecido produtor de shows] tinha com o Cockney Rejects [banda punk inglesa]. O pessoal do festival pediu para eu mandar material e eu mandei, mandei meu currículo, a lista de shows que eu tenho feito nos últimos anos – abri mais de 20 shows para o Adam Ant nos Estados Unidos, fiz turnê com o Hugh Cornwell, dos Stranglers. Acho que eles curtiram também o fato de que meu disco tem participação do Glen Matlock, cantando a faixa "This Ain't the Ballad of Johnny Stiff".

Quem é Johnny Stiff?
Stiff é um lendário roadie de bandas de hardcore anos 80 e 90, ele tinha uma van e levava todas as bandas: Sheer Terror, Murphy's Law, D-Generation, todas.

Ele está vivo?
Está sim, a última vez que o encontrei foi num tributo ao Joe Strummer no clube Stone Pony [famoso clube alternativo em New Jersey].

Voltando ao Rebellion: fale um pouco sobre o festival.
Sem dúvida é o festival punk mais legal que já fui. E olha que já fui em vários, da Vans Warped Tour ao It's Not Dead, em San Bernardino, na Califórnia, mas esse é, de longe, o mais legal.

Por quê?
Em primeiro lugar, pela vibração da cidade. O evento rola em Blackpool, que fica a três horas de trem de Londres, e a cidade é tomada pelos punks. Tem uma rua ao lado do local do show, cheia de hotéis, e lá só tem punks hospedados. O visual é demais. E o festival mistura skinheads, punks, e nunca rola nenhuma briga, é um clima de confraternização total, o pessoal só vai pra curtir o som, conhecer novas bandas e, lógico, beber!

Como foi a reação do público ao seu som?
Quando eu soube que ia tocar no festival, resolvi fazer um apanhado de minha carreira. Eu abro com "Illegal", começo na bateria fazendo um solo bem louco, aí pego o microfone e digo: "Meu nome é Supla. E quero dizer que nenhum ser humano é ilegal, a não ser vocês, seus bastardos!" e os caras já veem meu senso de humor, a gente ganha os caras logo na abertura. No show eu misturo estilos, tem "Waiting in Tokyo", que é bem pop-punk, depois a gente emenda "Fuck Politics", que é totalmente hardcore. Depois toco músicas do Psycho 69, que fazem parte da minha carreira. Quando eu toco "Monkey Copacabana Beach Banana", eu taco umas bananas na cara da plateia, o público adora.

Você só canta em inglês?
Só canto uma em português, "Garota de Berlim", que eu apresento como "uma colaboração com a deusa do punk, Nina Hagen".

Você é muito popular no Brasil, famoso entre o grande público, mas no exterior poucos te conhecem, a não ser o pessoal dessa cena punk. Como é para você ser tão popular no Brasil, e tocar em clubinhos pequenos na gringa?
Vejo isso com muita naturalidade. Pra mim é um privilégio tocar em outro país, em que as pessoas não sabem quem eu sou, não sabem que sou filho de políticos. Mas vale lembrar que abrindo shows para artistas bem conhecidos não toco em clubinhos, mas em teatros de até duas mil pessoas.

Você acha que isso prejudicou sua carreira?
Acho que ajudou mais do que prejudicou. Ser filho de meus pais atraiu atenção, eu tenho consciência disso. Uma vez vi o Sean Lennon chorando porque era filho do John Lennon. Como pode? Será que o cara não pensa nas pessoas que ele teve a chance de conhecer porque era filho de um cara famoso? Então para de chorar, Sean, e faz o teu trabalho, mesmo que você não precise mais trabalhar pelo resto da vida!

Você precisa trabalhar?
Claro, eu tenho que trabalhar, eu gosto de trabalhar. Tem um monte de gente que diz besteira, que tenho pai rico, mãe rica, mas isso é coisa de quem não sabe nada da minha realidade. Aqui é correria máxima, nunca parei de trabalhar. E essa pressão é o que me motiva. Eu nunca parei, estou sempre tentando sons novos, ideias novas. Vejo os caras da minha geração tocando sempre as mesmas coisas, fala sério…

Tocando música de 30 anos atrás…
Eu também toco músicas antigas, não vou esquecer canções que fizeram parte da minha carreira. Este é meu 15º álbum e ainda tenho prazer em cantar "Japa Girl" e "Humanos". Mas nos meus shows, o que o público mais pede é "Parça da Erva" [música do penúltimo disco de Supla]. Eu faço comercial de TV, essas coisas de publicidade, pra bancar meus projetos pessoais. Qual o problema? Não tô assaltando banco nem nada. É uma maneira de pagar as contas.

Imagino que tocar nesses lugares pequenos na gringa não pague as contas.
De jeito nenhum. Com o merchandise – camisetas, discos, essas coisas – a gente consegue empatar. Mas no Brasil eu ganho bem mais, porque aqui faço vários tipos de show: faço show de bar, de festival, acústico, tem a menina que quer o Supla pra cantar e tocar violão na festa dela pra dez pessoas, eu faço tudo mesmo. Não tenho opção. O importante é trabalhar. Faz três anos que não faço programa de TV e me sustento com a música. Hoje, depois de 32 anos de carreira, fazendo um balanço geral, acho que tá legal.

Visite meu site: andrebarcinski.com.br

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.