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Já ouviu Whyte Horses?

André Barcinski

13/07/2018 05h59

O Whyte Horses é uma banda de Manchester, Inglaterra, criada por Dom Thomas, um conhecido DJ, colecionador de discos, e um dos fundadores do incrível selo Finders Keepers, especializado em relançamentos de obscuridades do pop e da música de vanguarda.

Thomas criou o Whyte Horses meio que de brincadeira, chamando amigos para cantar e tocar, mas seu primeiro single, "The Snowfalls", fez tanto sucesso que ele resolveu gravar um LP, "Pop or Not" (2016). O disco era uma impressionante coleção de pérolas que devia tanto ao pop francês dos anos 60 quanto à Tropicália.

Poucos meses depois, Thomas convidou o coro infantil da escola de St. Bartholomew, em Londres, para regravar "Pop or Not" na íntegra. Ouça "She Owns The World":

Em 2018, o Whyte Horses voltou com "Empty Words", seu segundo disco de inéditas, que está em altíssima rotação aqui em casa há várias semanas.

Aqui vai uma entrevista exclusiva com o líder do grupo, Dom Thomas, em que ele fala do processo de composição de seus discos, de seu fascínio pela música brasileira, e detona a atual "onda psicodélica":

Você sempre falou do Whyte Horses como um "projeto", mas agora você tem dois álbuns, e alguns shows marcados para o resto do ano. O Whyte Horses pode ser considerado oficialmente uma "banda", no sentido de que vocês farão turnês e levarão sua música para diferentes públicos?

O Whyte Horses começou como um devaneio. Eu queria criar minha própria banda imaginária, em que eu pudesse incorporar todas as coisas que eu amava na música e fazer canções que eu adoraria ouvir. Demorou alguns anos, mas agora encontramos a configuração perfeita. Nós passamos por algumas mudanças na formação, tivemos alguns problemas com integrantes, mas essas coisas nos tornaram mais fortes e agora sinto que estamos próximos de nossa Utopia. No início, eu queria que fosse apenas um projeto de estúdio, mas algumas rádios começaram a tocar nossas músicas e recebemos ofertas para shows, então eu tive que montar uma banda. Tudo começou comigo e meu cunhado Ali no baixo, e Owen, amigo dele, na bateria. Nós três formamos o núcleo da banda, e depois convidamos outros músicos e cantores para participar. O Whyte Horses está sempre em transformação, e isso nos mantêm alertas.

Dom Thomas

Seus discos são muito ecléticos, englobando uma variedade de estilos. Você pode falar um pouco sobre o seu processo de composição? Você escreve primeiro a música e depois a letra? Como você escolhe o estilo adequado a cada música?

Amo a ideia de fazer álbuns que não entediam os ouvidos. Alguns dos melhores álbuns de todos os tempos, como "Chelsea Girls", de Nico, podem soar arrastados depois de quatro músicas. Fomos acusados de ser muito ecléticos e diversificados, mas, na minha opinião, é muito mais difícil fazer um álbum de músicas variadas. Para mim isso é muito mais interessante do que ficar preso a um único tipo de som. Somos humanos, e nossos diferentes humores, nossa hipocrisia, amor, ódio, medo e felicidade são o que nos tornam interessantes. Eu acho importante tentar atingir sentimentos diferentes dentro da música. Uma música do Whyte Horses é geralmente ditada por melodias. É a única maneira que parece funcionar para nós: em primeiro lugar, a música. No processo de escrever "Empty Words", acho que minhas letras se tornaram mais expressivas. Sinto que as letras existirão dentro de mim se a melodia me fizer sentir alguma coisa.

Li uma entrevista onde você definiu a cena psicodélica como "uma piada". Você poderia elaborar sobre isso?

Sim, o que eu quis dizer é que havia um dilúvio aparentemente interminável de bandas fazendo músicas de ritmos "Motorik" [termo usado para designar o estilo de bandas alemãs da virada dos anos 60 para os 70, como Can, Neu! e Faust] com melodias muito chatas jogadas sobre elas. Muito estilo e pouca substância. É uma farsa quando você vê esses caras de cabelos compridos e sem sapatos cantando letras pouco sinceras e sem emoção. Eu não suporto isso. Eles parecem de plástico e, só para pegar emprestado um termo cunhado por Steve Lamacq [radialista inglês], eles são "Slightlydelic". Eu acho que isso resume muitas bandas que estão aparecendo, elas provavelmente nunca tomaram ácido, mas seus shows tem luzes fractais, é tudo fantasia. Essa coisa me irrita. mas ao mesmo tempo me motiva, porque eu preciso ter algo contra o que lutar, só assim consigo fazer algo positivo. É parte da razão pela qual me dediquei tanto a escrever músicas melódicas, e não ficar um tempão tocando riffs para ver se algum cola.

Na última década, com a chegada de bandas como Tame Impala e outros, vários festivais de música chamados "psicodélicos" apareceram em todo o mundo. Eu fui a alguns desses festivais (especialmente o Levitation, em Austin), e a música parece ser muito eclética, variando de bandas noise ao blues dos Tuaregs. O que você do uso do rótulo "psicodélico" hoje em dia?

Psicodélico é um termo muito prevalente no momento. Meus filhos são mais psicodélicos do que qualquer um desses filhos da puta! O Tame Impala é bom no que faz, com certeza, mas há bandas como Temples, que parecem ter comprado todos os melhores discos psicodélicos dos anos 60, especialmente os que têm capas lindas, como os do Tontos Expanding Head Band, mas a música no disco é muito insípida. O que eles vão fazer daqui a três anos? Você não pode ser psicodélico para sempre, não é? As pessoas nos chamam de psicodélicos, mas se você ouvir nossas músicas, mais do que isso, somos reais e nossa música também.

Você pode falar um pouco sobre seu interesse pela música brasileira? Quem são seus artistas brasileiros favoritos?

Os Mutantes é minha banda preferida de todos os tempos, e uma das razões pelas quais comecei o Whyte Horses. Sua abordagem destemida na composição de músicas e a maneira como eles permitiam que cada música ditasse seu próprio som eram coisas totalmente inovadoras. Você podia ter uma música folclórica com uma guitarra distorcida, seguida por uma peça sinfônica ou uma música pop de três minutos, e isso nunca me surpreendia, apenas me intrigava mais do que outras bandas. Suas músicas foram algumas das primeiras que aprendi na guitarra, e me ensinaram muito. Depois percebi que Jorge Ben escreveu "Minha Menina" e me interessei pelas estruturas básicas de acordes que ele usou em álbuns como "A Tábua de Esmeralda", que foi uma grande influência para nós. Há muitos artistas brasileiros para listar, mas assistir a apresentação ao vivo de Gal Costa cantando "Divino Maravilhoso", de 1968, me deu uma luz. Adoro Tom Zé, Os Brazões, Tim Maia, Erasmo Carlos, e até mesmo algumas músicas de Roberto Carlos estão entre as minhas músicas brasileiras favoritas.

Praticamente toda vez que alguém revê a música do Whyte Horses, eles mencionam a Tropicália como uma influência fundamental. O gênero realmente teve um grande impacto na sua música?

Fico feliz que você diga isso, porque a Tropicália teve uma enorme influência em mim. Fiquei obcecado com Tropicália depois de ouvir Os Mutantes pela primeira vez, e queria saber tudo sobre o movimento. As imagens e a escrita das canções, os duplos significados, a vida cotidiana, os devaneios, a arte das capas… As músicas me tocam como como nenhuma outra, e fizeram me apaixonar por certos sons de bateria e guitarra que certamente influenciaram nossas gravações. Os arranjos de cordas do Rogério Duprat pareciam tão exóticos e complexos, e são algo que eu ainda almejo conseguir fazer. Mas alguns artistas de fora do círculo da Tropicália também foram influências importantes para mim: "Tudo Que Você Podia Ser", de Milton Nasciment, foi uma das primeiras músicas brasileiras que eu ouvi que parecia habitar um lugar só dela. Para mim, aquilo soa diferente de tudo. Quando você ouve a bateria no refrão dessa música, é melhor do que qualquer droga. Eu também ouvi "Oba lá Vem Ela" de Jorge Ben na mesma coletânea, e a partir daquele momento eu fui à caça de tudo que eu podia conhecer de música brasileira.

Como está sua carreira de DJ: você tem discotecado recentemente?

Só me apresento como DJ em situações especiais para mim. Tem que ser em algum lugar em que eu sei que vou me divertir. Não tenho tempo para idiotas me perguntando sobre discos que eu não tenho. Há um bar em Estocolmo chamado Riche onde eu toco algumas vezes por ano, é um dos meus lugares favoritos.

Seu divulgador disse que você tem planos para shows brasileiros. Alguma notícia sobre isso?

Tocar no Brasil será um sonho se tornando realidade, será como voltar para casa mesmo que eu nunca tenha estado lá antes. Se isso acontecer, imagino que faremos o show "Whyte Horses Experience", onde projetamos filmes no palco e chamamos convidados especiais para tocar com a gente. Dedos cruzados.

Um ótimo fim de semana a todos.

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Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.