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Richard Price: o retorno de um dos grandes autores policiais

André Barcinski

18/05/2018 05h59


Gosto muito de ler romances policiais, mas tenho sido bem mais seletivo em minhas escolhas. Quando percebo que um livro caminha para uma trama "whodunit", aquela em que o assassino é revelado na última página, desisto na hora.

Com o lucrativo mercado das adaptações de livros para cinema e séries de TV, parece haver uma tendência em criar histórias "cinematográficas", com cenas passadas em cenários visualmente impactantes (fábricas abandonadas, pântanos, prédios vazios), muitas cenas de ação, e um clímax que invariavelmente envolve uma luta mortal em uma locação bacanuda.

Não tenho mais paciência para esse tipo de livro. Só não joguei na parede "O Boneco de Neve", do norueguês Jo Nesbo, porque estava lendo no Ipad, e apenas a obrigação profissional me fez terminar bombas como "A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert", de Joel Dicker.

Por isso é uma alegria saber que um dos grandes escritores de ROMANCES policiais – e não de historinhas policiais espertinhas – o norte-americano Richard Price, está de volta com seu primeiro livro em quase dez anos: "Os Impunes".

Não espere bandidos de inteligência sobrenatural e força de vilão da Marvel, que a praia do autor não é essa. As histórias de Price envolvem personagens realistas, metidos em situações e dramas que poderiam acontecer com qualquer um de nós. Em seus livros, vale mais a maneira como ele descreve a cidade e as pessoas do que alguma cena de ação inverossímil.

Sobre "Os Impunes", escrevi na Folha:

O americano Richard Price não escreveu apenas romances policiais, mas seus trabalhos mais conhecidos, tanto na literatura quanto no cinema e na televisão, são histórias sobre crime.

Price é autor de "Clockers" (1992), um tijolo de 600 páginas (que parecem ser 200, de tão boas) sobre a hierarquia de uma gangue de traficantes de uma cidade fictícia em Nova Jersey.

Também é autor de vários roteiros para cinema, como "A Cor do Dinheiro" (1986), em que Martin Scorsese explorou o submundo dos jogadores profissionais de sinuca, e o policial "noir" "Vítimas de Uma Paixão" (1989), com Al Pacino no papel de um detetive às voltas com um assassino serial.

Na TV, escreveu episódios da série policial "The Wire" e criou a minissérie "The Night Of", história de um rapaz de origem paquistanesa que é preso por um crime que não cometeu e sofre o diabo numa prisão nova-iorquina.

Em todos esses trabalhos, Richard Price explorou a fundo os universos particulares de cada história, fazendo descrições detalhadas do ambiente e das circunstâncias que motivaram as tramas.
Alguns autores policiais escrevem sobre casos criminais, outros escrevem sobre o universo do crime.

Richard Price certamente faz parte do segundo grupo. Price não é um escritor da surpresa ou do mistério resolvido na última página, mas de histórias ricas e complexas, que transportam o leitor para universos perigosos e desconhecidos.

Seu livro mais recente, "Os Impunes", escrito sob o pseudônimo de Harry Brandt, não trata de um crime específico, mas da vida de vários policiais de Manhattan.

O título em português é ótimo, mas o original —"The Whites", ou "Os Brancos"— entrega a inspiração do livro: é uma alusão à baleia branca Moby Dick, que assombra cada minuto da vida do marinheiro Ahab.

A exemplo de Ahab, vários personagens do livro de Price são assombrados por memórias violentas.

O personagem principal é o detetive Billy Graves, um veterano da polícia nova-iorquina. Numa noite, Graves é chamado para investigar um crime. Ele reconhece a vítima: é o mesmo homem que, oito anos antes, fora acusado de matar um menino de 12 anos.

Na época, Graves tinha convicção de que o homem era culpado, mas ele foi solto por falta de provas. Era um "Branco", um desses casos que um policial não esquece.

O crime faz Graves se reaproximar ainda mais de um grupo de amigos —todos, com exceção de Graves, ex-policiais— apelidado de "Gansos Selvagens", famoso nos anos 1990 pela agressividade contra bandidos e suspeitos em geral.

A trama do livro envolve inúmeros personagens e casos criminais, e é complexa demais para uma sinopse, mas o que importa, mais que as especificidades de cada caso, é a maneira como Price descreve o trabalho policial e como esses homens são afetados pela violência que encontram no dia a dia.

"Os Impunes" rivaliza com "Os Novos Centuriões" (1971), de Joseph Wambaugh, como um dos melhores relatos sobre a desintegração psicológica, moral, mental e física que policiais sofrem pelo convívio diário com a brutalidade.

Um ótimo fim de semana a todos.

Visite meu site: andrebarcinski.com

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.