Topo

Brasil, túmulo do rock alternativo

André Barcinski

27/11/2017 05h59

Tenho grande admiração por todos os profissionais que trabalham com eventos artísticos, mas um grupo em especial merece meu respeito absoluto: os promotores de shows de música alternativa.

Esse grupo é formado, basicamente, por um bando de malucos diletantes, que arriscam a própria grana em eventos frequentemente fadados ao prejuízo.

Falo de gente que organiza festivais como Psicodália, Overload, Pira Rural, Psychobilly Fest, PicniK (que em 9 de dezembro levará a Brasília a excelente banda norte-americana Night Beats), e tantos outros que rolam Brasil afora.

São todos empreendedores com um quê de Dom Quixote, porque teimam em trabalhar com um mercado independente e alternativo, que já deu incontáveis provas de sua fragilidade no Brasil.

Não estou dizendo que o país não tem bandas fazendo rock alternativo ou selos dedicados ao estilo. Claro que tem. Mas isso só corrobora o que escrevi sobre a tenacidade dessa turma, que trabalha na seara do indie rock a despeito da total falta de infraestrutura de shows e turnês no país.

Um exemplo atualíssimo: nesse exato momento, a banda japonesa de rock psicodélico Acid Mothers Temple está em algum lugar da América do Sul, pacientemente esperando o próximo show de sua turnê no subcontinente, que só acontecerá no sábado, 2 de dezembro, no SESC Belenzinho, em São Paulo.

Quando divulgou a turnê, há alguns meses, a banda anunciou shows no Rio (30/11), Belo Horizonte (1/12) e Santa Maria (3/12). Todos esses sumiram da programação (o de Santa Maria ainda consta do site da banda, mas nem o site do festival Morrostock, onde deveria acontecer o show, traz o nome do AMT). Como o último show do AMT na América do Sul aconteceu em 25 de novembro, em Buenos Aires, isso significa que eles passarão UMA SEMANA por aqui sem tocar em lugar algum. É um absurdo.

Claro que o Acid Mothers Temple não é o U2, e ninguém espera ver multidões no aeroporto se esgoelando pelos japoneses. Mas como explicar que uma banda dessas – inteira ou com o projeto solo de seu líder, Kawabata Makoto – fez dois shows em Lima, dois em Santiago, três em Buenos Aires e um em Córdoba, mas só deve fazer um no Brasil? O Facebook do AMT menciona um show solo de Makoto na Casa do Mancha, em São Paulo, dia 30/11, mas ainda não vi confirmação oficial.

Vale lembrar que o show solitário do AMT no Brasil acontecerá no SESC. O SESC tem uma programação excelente, mas habita um universo paralelo, que o permite promover shows de bandas gringas pelo preço de um cachorro-quente, por meio de verba subsidiada por um imposto compulsório de todo comerciante. Se não fosse o SESC, o Acid Mothers Temple nem chegaria a pisar no Brasil.

Ouço muita gente dizendo que o Brasil está inserido no circuito internacional de shows. Isso é verdade, mas só quando o assunto é turnê mundial de artista famoso, especialmente de pop e rock. Porque quando falamos de rock alternativo, a coisa muda de figura: tirando São Paulo, que ainda recebe uma quantidade considerável de shows, no resto do país a situação é triste. A prova é que PJ Harvey, Sigur Rós, Neurosis, Magma, Black Angels e Acid Mothers Temple passaram ou passarão pelo Brasil, mas farão shows apenas na terra da garoa.

O grande Neurosis viajará ao Brasil para fazer apenas um show, dia 8/12, no Carioca Club, em São Paulo

Muitos fatores explicam essa fragilidade de nosso circuito de turnês internacionais: os impostos escorchantes pagos por promotores e casas de shows, custos altíssimos de transporte dentro do país, a burocracia, o Real desvalorizado frente ao Dólar e Euro, e a máfia das carteirinhas de estudante, entre outros. Mas uma coisa não tem explicação: o aparente desinteresse do público brasileiro pelo rock alternativo. Ou será que em Lima há mais pessoas interessadas no Acid Mothers Temple do que em Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre ou Curitiba?

E SÓ PRA LEMBRAR…

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.