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Por que ninguém mais fala mal de discos?

André Barcinski

25/09/2017 05h59


Em agosto, o jornalista Neil Shah, que cobre música e entretenimento para o jornal "The Wall Street Journal", publicou uma reportagem muito interessante, chamada "O Que Aconteceu com a Crítica Musical Negativa?". Shah questiona o percentual excessivo de críticas elogiosas, especialmente críticas de discos.

Os números são impressionantes: segundo a reportagem, dos 787 álbuns mostrados no Metacritic – um site que agrega críticas de filmes, discos, programas de TV e videogames e dá notas de zero a cem a cada obra – nenhum recebeu uma avaliação "vermelha", o que denotaria críticas "majoritariamente desfavoráveis".

Entre 2012 e 2016, o Metacritic avaliou 7287 álbuns, e apenas oito receberam notas vermelhas.

Ou estamos vivendo num período de ouro da música, em que todo lançamento é um "Sgt. Pepper's" ou um "Blonde on Blonde", ou alguma coisa muito errada está acontecendo com os críticos.
Shah explica:

O fim de críticas negativas de discos se dá por uma série de fatores. Na era digital, veículos que cobrem música se tornaram menos centralizados, com mais gente publicando críticas. Isso ajudou a criar uma nova dinâmica de poder entre os popstars e a imprensa, onde os astros estão menos dependentes dos críticos, e os críticos estão mais dispostos a satisfazer os artistas.

"Com redações cada vez menores, competição acirrada e espaço limitado, publicações muitas vezes preferem não publicar críticas negativas", diz Jim Merlis, um veterano relações públicas que já trabalhou com Nirvana e Strokes.

'Isso dá a impressão de que há um apetite menor pela crítica mais séria, ou que nossa cultura decidiu que isso já não importa tanto', diz Amanda Petrusich, professora assistente na New York University (e autora de um excelente livro sobre colecionadores de discos, sobre o qual escrevi em 2015) que leciona jornalismo musical e escreve para a revista "The New Yorker". "Isso faz com que a crítica se torne uma extensão de relações públicas".

(…)

Com a diminuição do espaço para a cobertura de artes, jornalistas e críticos musicais têm um incentivo econômico para conseguir mais tráfego na web ao escrever críticas positivas sobre grandes astros, dizem especialistas. Astros do pop muitas vezes têm mais seguidores no Twitter do que políticos. Se um astro retuita ou põe no Facebook um link para uma crítica positiva, pode gerar milhões de acessos ao site que publicou o texto.

Muitos observadores reclamam que praticamente não existe mais a linha que separava críticos (que avaliam obras) de jornalistas (que cobrem a indústria musical). TT Torrez, diretora musical da estação de hip hop HOT97, de Nova York, diz que já viu bloggers elogiarem álbuns "péssimos" só para manter boas relações com os artistas. "Você tem tantas pessoas que só querem estar conectadas à indústria, que não dão sua opinião sincera sobre determinados discos".

E enquanto críticas negativas podem viralizar tanto quanto as positivas, elas podem também prejudicar o acesso aos artistas.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.