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Depois de 41 anos, surge o disco "perdido" de Neil Young

André Barcinski

28/08/2017 05h59


Neil Young está prestes a lançar um novo disco, "Hitchhiker". É seu 38º disco de estúdio, mas poderia muito bem ter sido o nono. Explico: "Hitchhiker" foi gravado em agosto de 1976, mas Young só resolveu lançá-lo agora, 41 anos depois.

Poucos artistas têm uma discografia tão confusa quando Neil Young. Não é raro que ele guarde uma canção por décadas até resolver lançá-la. Discos inteiros foram gravados e esquecidos. Músicas mudam de nome e aparecem subitamente em discos muito diferentes daqueles para os quais foram originalmente escritas.

O período em que gravou "Hitchhiker" foi o mais confuso e trágico da vida de Young. Em 1972, depois de lançar seu LP de maior sucesso comercial, "Harvest", ele perdeu o amigo e parceiro Danny Whitten, guitarrista do Crazy Horse.

Whitten havia sido a inspiração principal da música "The Needle and the Damage Done" (em tradução literal, "A Agulha e o Dano Causado"), um dos hits de "Harvest".
Guitarrista talentoso e excelente compositor (fez a linda "I Don't Want to Talk About it", gravada por Rod Stewart), Whitten ficou viciado em heroína e acabou expulso do Crazy Horse em 1971.

Para ajudar o amigo, Neil o convidou para tocar em sua turnê de 72. Mas Whitten estava tão anestesiado pela heroína que não conseguiu. Chegou a dormir em pé durante os ensaios.

No dia 18 de novembro de 1972, Young despediu Whitten. Horas depois, Whitten morreu de uma overdose de bebida e Valium. Young nunca se recuperou do baque.

Poucos meses depois, outro choque: seu "roadie", Bruce Berry, morreu de overdose de heroína (Neil homenagearia Bruce com uma citação no verso de abertura da música "Tonight's the Night").

Os dois álbuns de inéditas que Young gravou imediatamente após as mortes de Whitten e Berry – "Tonight's the Night" e "On the Beach" – são os mais pesados e depressivos de sua carreira. Para muitos fãs, são também os melhores. Young chamou o produtor David Briggs, juntou os remanescentes do Crazy Horse – Ralph Molina (bateria) e Billy Talbot (baixo) – e convocou o guitarrista prodígio Nils Lofgren e Ben Keith, que havia tocado steel guitar em "Harvest".

O grupo passava o dia todo chapando e a noite gravando, em sessões que Young chamaria de "velórios para Danny e Bruce". O resultado foi "Tonight's the Night", um dos discos mais "dark" já feitos, e completamente antagônico às melodias bonitas e assobiáveis de "Harvest".

Ninguém sabe a razão, mas Neil adiou o lançamento de "Tonight's the Night" por dois anos. O disco só saiu em 1975.

E "On the Beach" (1974), espécie de continuação de "Tonight's the Night", foi renegado por Neil, que só permitiu seu lançamento em CD quase 30 anos depois.

Nesse período, Young costumava gravar sessões acústicas. Ele chamava o produtor David Briggs e, sempre em noites de lua cheia, gravava canções de voz e violão. Muitas dessas músicas acabaram em discos que Young gravaria nas décadas seguintes.

A sessão de "Hitchhiker" foi particularmente boa. Young gravou dez músicas, incluindo dois de seus maiores clássicos, "Pocahontas" e "Powderfinger", que apareceriam em 1979 em versões gravadas com a banda Crazy Horse no álbum "Rust Never Sleeps".

Neil e o produtor David Briggs

Outras canções gravadas nessa sessão seriam usadas em álbuns posteriores: "Captain Kennedy" (no ákbum "Hawks and Doves", 1980), "Ride My Llama" ("Rust Never Sleeps", 1979), "Campaginer" ("Decade", 1977), "Human Highway" ("Comes a Time", 1978) e "The Old Country Waltz" ("American Stars and Bars", 1977). A música que dá nome ao disco, "Hitchhiker", levaria 34 anos para aparecer em disco, no ótimo e experimental "Le Noise", de 2010.

O disco traz ainda duas faixas que Young já tocou ao vivo, mas nunca havia lançado em disco: "Hawaii" e "Give me Strength". Aqui vai uma versão ao vivo de "Give Me Strength", gravada em Chicago, em 1976:

E aqui, uma versão ao vivo de "Hitchhiker", gravada em 2010:

"Hitchhiker" sai em 8 de setembro. Tomara que Young se empolgue e decida tirar do baú todas as suas músicas ainda inéditas.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.