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Morte, sexo e corrupção: no coração das trevas com um milionário psicopata

André Barcinski

19/06/2017 08h22

Ótima dica do leitor Eden Marcio: "Gringo: the Dangerous Life of John McAfee", no Netflix.

Trata-se de um documentário sobre a vida de John McAfee, um pioneiro da cybersegurança que ficou milionário nos anos 80 com um dos primeiros antivírus vendidos comercialmente.

Mas essa é a parte legal da história. A outra, muito mais sombria, violenta e misteriosa, diz respeito aos últimos dez anos da vida do ricaço.

McAfee sempre foi excêntrico: mestre em yoga e fanático por meditação, promovia o sexo livre em suas empresas. No filme, ex-funcionários contam que bacanais eram comuns no escritório.

Depois de perder uma fortuna na crise de 2008, McAfee emigrou para Belize, na América Central, e disse a amigos que iria viver "como o Kurtz de 'O Coração das Trevas'".

Em Belize ele comprou uma imensa propriedade à beira-mar, gastou milhões de dólares em "doações" para a polícia local, montou uma milícia de bandidos e traficantes para fazer sua segurança, e cercou-se de um séquito de prostitutas adolescentes. Fotos mostram McAfee e sua turma na praia, os homens empunhando metralhadoras e as mulheres, de biquíni.

McAfee virou um verdadeiro déspota: mandava e desmandava na cidade, aterrorizava os vizinhos com seguranças armados e cães violentos, e foi acusado de tramar a tortura e morte de um bandido que ameaçou sequestrá-lo.

Mas as coisas começaram a piorar para o milionário depois que um vizinho, a quem McAfee acusou de ter envenenado seus cachorros, apareceu executado com um tiro na cabeça. Mesmo com as ridículas condições de trabalho da polícia forense de Belize, onde menos de 3% dos crimes são solucionados por provas técnicas, os policiais tinham certeza de que ele fora o mentor do crime.

McAfee fugiu para a Guatemala e depois voltou aos Estados Unidos, onde se candidatou à presidência do país pelo Partido Libertário (acabou perdendo a indicação para Gary Johnson).

"Gringo" foi dirigido pela jornalista Nanette Burstein, que fez um ótimo trabalho investigativo, entrevistando ex-funcionários de McAfee, meninas que fizeram parte de seu harém particular, e bandidos barra pesada que faziam sua segurança.

O filme peca bastante por uma forma narrativa que mais se assemelha a de uma reportagem televisiva: a diretora aparece o tempo inteiro, narrando a história e contando detalhes sobre os entrevistados. Mas a história é tão boa, e os personagens tão interessantes, que isso ficaq em segundo plano.

O que resta é a história chocante de um gringo rico, arrogante e manipulador, que usou sua fortuna e poder para criar um verdadeiro reino fictício num país do Terceiro Mundo.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

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