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Cinco discos que provam que o diabo é pai do rock

André Barcinski

10/05/2017 05h59


Na madrugada de terça-feira, dia 9, duas bandas brasileiras de metal, Krisiun e NervoChaos, foram detidas no aeroporto de Bangladesh – país de população majoritariamente muçulmana – e tiveram seus shows cancelados pelas autoridades locais. A acusação: as bandas seriam "satânicas" (leia aqui).

Discípulas do tinhoso ou não, o fato é que influências ocultistas na música ainda assustam muita gente e provam que Raulzito tinha razão: o diabo é mesmo o pai do rock.

Alguns casos são bem conhecidos: os Beatles puseram o ocultista inglês Aleister na capa do disco "Sgt. Pepper's"; os Stones gravaram "Sympathy for the Devil", uma bem humorada homenagem ao capeta (inspirada pela leitura, por Mick Jagger, do livro "O Mestre a Margarida" do russo Mikhail Bulgákov), e Jimmy Page frequentava cerimônias de magia negra e era tão obcecado por Crowley que comprou uma propriedade do mago à beira do lago Ness, na Escócia, chamada Boleskine House, que Crowley considerava um lugar sagrado.

Mas em termos de simpatia pelo demônio, nenhum gênero supera o heavy metal. Em 1968, o Black Sabbath inventou o metal ao conjurar espíritos malignos em diversas canções, abrindo as portas para um sem-número de bandas de metal inspiradas pelo lado negro da força: de Venom a Coven, de Slayer a Glenn Danzig, de Mercyful Fate a escandinavos satanistas.

Mas nem toda música "satânica" e "ocultista" é feita por cabeludos empunhando guitarras distorcidas. Aqui vai uma lista de cinco grandes discos (na verdade, seis) – nenhum de metal – inspirados por um mundo escuro:

Moon Duo – Occult Architecture – Vols. 1 e 2 (2017)


O Moon Duo é formado pelo cantor e guitarrista Ripley Johnson (também do extraordinário Wooden Shjips) e a tecladista Sanae Yamada. Imagine o Suicide ou uma das bandas alemãs dos anos 60 e 70 (Can, Faust), com seus ritmos "motorik", e adicione as guitarras esporrentas do Jesus and Mary Chain. Pronto. A dupla acaba de lançar um par de discos (o primeiro, "escuro, noite" e o segundo, "claro, dia"), inspirados pelas "estruturas invisíveis encontradas no ciclo das estações e na literatura de Mary Anne Atwood, Aleister Crowley, Colin Wilson e Manly P. Hall". O primeiro saiu em fevereiro e o segundo, há uma semana. Estarão certamente entre os melhores lançamentos de 2017.


Raul Seixas – Novo Aeon (1975)


Raulzito e seu parceiro, Paulo Coelho, já haviam homenageado o ocultista inglês Aleister Crowley (1875-1947) no disco "Gita" (1974), inclusive com uma canção, "Loteria de Babilônia", que contava a vida do bruxo. Mas o disco seguinte, "Novo Aeon", era ainda mais radical: batizado em homenagem à era iniciada, segundo Crowley, em 1904, quando ele próprio guiaria o mundo conforme o mandamento da Thelema – "Faze o que tu queres, há de ser tudo da lei" – o disco confrontava o cristianismo e anunciava a chegada de um novo tempo. Em "Rock do Diabo", Paulo e Raul satirizavam a concepção cristã e popular do demo: "Existem dois diabos/ só que um parou na pista/ um deles é o do toque/ o outro é o do Exorcista", referindo-se ao famoso filme de William Friedkin, de 1973.

Screamin' Jay Hawkins – I Put a Spell on You (1956)


Jalacy J. Hawkins (1929-2000) era pirado. Dizia ter seis irmãos, "todos nascidos da mesma mãe e de pais diferentes". Jurava que o pai era árabe e que a mãe o deixou para ser criado por uma tribo de índios Blackfoot. Em 1956, depois de levar um fora de uma namorada, sonhou que a reconquistaria com uma maldição e escreveu "I Put a Spell On You". Disse que ficou tão bêbado durante a gravação que foi tomado por um espírito: "Quando ouvi a gravação me assustei, aquele ali gritando não era eu, mas um demônio".


David Bowie – Station to Station (1976)


O ocultismo era uma paixão antiga de Bowie. Em 1974, teve vários encontros com dois estudiosos da obra do bruxo inglês Aleister Crowley, o cineasta Kenneth Anger e Jimmy Page. Bowie passava dias trancado em quartos de hotel, memorizando escritos de Crowley, cheirando mais que um tamanduá e desenhando pentagramas nas paredes. Em 1976, faria um disco inteiramente inspirado em Crowley: "Station to Station".

The Louvin Brothers – Satan is Real (1959)


Se você não conhece esse disco, sugiro não perder tempo. É coisa de outro mundo. Os irmãos Ira e Charlie Louvin, bons meninos do Alabama e tementes a Deus, chegam à conclusão que o capeta existe e gravam esses disco para alertar o mundo. "Eu sei que Satã é real, porque houve um tempo em que minha casa era feliz / eu era amado e respeitado por minha família / eu era considerado um líder em minha comunidade / e aí, Satã entrou em minha vida…"

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.