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Amyr Klink: a maior inimiga da aventura é a burocracia

André Barcinski

18/11/2016 05h59

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Amyr Klink, 61, está lançando um novo livro: "Não Há Tempo a Perder", uma coleção de depoimentos a Isa Pessoa.

No livro, o explorador, navegador e empresário conta casos curiosos de sua vida, carreira e aventuras marítimas.

O livro chega às livrarias sábado, dia 19, e o lançamento será dia 10 de dezembro, no MIS, em São Paulo, com palestra de Amyr e exposição de fotos de sua esposa, Marina Klink, fotógrafa profissional com dois livros publicados e que há 20 anos registra as viagens de Amyr e da família.

Fiz uma entrevista exclusiva com Amyr em Paraty, em que ele falou de suas aventuras pela Antártica, de seus ídolos da navegação, e de como ainda é considerado um navegador "amador" no Brasil.

– Como você definiria esse novo livro?
– A Isa Pessoa me convenceu a fazer. Ela tomou depoimentos meus e organizou o texto. Eu estou escrevendo outro livro e estava muito ocupado com palestras, mas ela disse que queria lançar o livro ainda este ano, e conseguiu.

– Você ainda faz muitas palestras?
Faço de 100 a 120 palestras por ano. Faço palestras no Brasil inteiro e também no exterior. Esse ano rolou muita palestra fora. Quando o convite é para um lugar legal, tipo Maine ou Ushuaia, eu vou; já em Miami não dá muita vontade. Gosto muito de ir à Bretanha, é um lugar com o qual me identifico muito. É a terra de um de meus grupos musicais favoritos, o Soldat Louis, um grupo francês que faz uma releitura de músicas de marinheiros da Bretanha. O som, com o perdão da expressão, é uma putaria das mais baixas, os caras são marinheiros de verdade e cantam as músicas autênticas. Meu sonho é ver um show deles.

– No livro você elogia muito os marinheiros franceses que, segundo você conta, nunca navegam dentro dos barcos, mas do lado de fora, tomando chuva, sol, gelo e água salgada na cara o tempo todo…
– Digamos que eu não ficaria feliz se minhas filhas um dia viajassem num barco francês, porque é tudo amarrado com arame. Você vai no Ushuaia e vê nível deles, Deus me livre, é uma bagunça. E olha que eu gosto de pegar umas roubadas de vez em quando, mas não tenho tanto pique quanto os franceses. Mas eles são muito competentes, a navegação tá no sangue deles. Você pega uma menininha francesa de 17, 18 anos, de biquininho, e a desgraçada solda, usina, costura couro, mata o porco, descarna, troca óleo, troca bomba injetora, faz tudo. Já a menininha brasileira parece sempre mais preocupada com o bronzeado.

Jerome Poncet

Jerome Poncet

– Você acha os franceses os melhores navegadores do mundo?
– Olha, pra mim, o navegador que seria o equivalente ao Tom Waits ou ao Leonard Cohen do mar é um francês, o Jerome Poncet. É um tipo bronco, daqueles que não usa cinto de segurança, tem dente faltando, mas já deu seis voltas ao mundo. Ele é bretão e lá eles têm uma marinharia muito forte. Na Bretanha é difícil navegar, as marés são muito violentas, de seis, sete metros de altura, os portos são muito movimentados e o mar é ruim. Tudo isso faz da Bretanha um celeiro de grandes navegadores. E eles sofrem mais no barco do que um brasileiro gosta de sofrer. Como fiz meus barcos para navegação em solitário, procurei me dar um certo conforto, mas os franceses estão se lixando pra isso. Na Antártica eles levam neve na cara, chuva na cabeça, entram no barco prontos pra guerra.

– E esse livro que você está escrevendo?
– Será sobre a época antes de eu começar a navegar. Vou contar minha vida em Paraty, que foi um período bastante conturbado da minha vida. Meu pai era um visionário que comprou um monte de terra e depois largou tudo. Eu fiquei anos tentando consertar essa situação, legalizar tudo, na verdade estou até hoje tentando. Meu sonho é me desvencilhar de tudo, não quero ter mais nada, nem carro.

– Em "Não Há Tempo a Perder", há uma foto linda de você bem jovem, andando de canoa pelo Centro Histórico de Paraty com sua irmã pequena, durante uma enchente.
– Sim, e essas enchentes eram acontecimentos raros. Por outro lado, só este ano já aconteceram três marés históricas maiores que aquela. Nunca tinha visto encher desse jeito. Mas eu torço pela subida dos oceanos.

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– Como assim?

– Eu gosto de calado, mexo com marina, com barco, e o fato é que a presença humana no litoral brasileiro ferrou tudo: ferramos o Rio de Janeiro, ferramos Santos, o Capibaribe, assoreamos tudo. A gente corta o mato aqui na serra, depois o rio traz areia e assoreia os rios. Se o mar subisse uns quatro metros, a gente teria o litoral no pé das serras, ia criar um novo cenário.

– Quantas vezes você foi à Antártica?
– Mais de 40. De veleiro, fui umas 25 a 30, mas também fui com barcos de terceiros ou naviozinhos. Minha primeira viagem à Antártica foi em 1986, no veleiro Rapa Nui.

– Nesses 30 anos, você percebe mudanças no degelo do pólo?
– Muitas. O que mais choca é que hoje tem muito mais gelo do que há dez anos. E isso é um mau sinal. A fábrica de icebergs nesse setor Antártico que aponta para o Atlântico é o Mar de Weddell, uma megaplataforma de gelo flutuante que tem em média 50 metros de altura e que vai desovando icebergs tabulares. Esses icebergs tabulares se quebram e viram os icebergs menores e, digamos assim, "artísticos". Ou seja: se tem muito mais gelo boiando, é porque acelerou o desprendimento do Mar de Weddel.

– E as temperaturas?
– Estão subindo. Você percebe o calor, ou melhor, a baixa pressão. Um cearense sabe que vai chover quando sente a queda na pressão barométrica. E as depressões barométricas de dez anos pra cá são muito mais profundas. O vento acelerou muito. Até dez anos atrás, eu nunca tinha ouvido falar em ventos de 100 nós, mas nos últimos dez anos, peguei mais de uma dúzia desses ventos de 100 nós, ou 185 quilômetros por hora. É muito vento. O veleiro que uso hoje [o Paratii 2] é um barco estúpido, um verdadeiro caminhão oceânico, e não sente muito, mas já peguei esses ventos em barcos australianos, inclusive com minhas meninas a bordo, entrando no Canal de Beagle. É um sinal muito ruim. Até uma década atrás, o máximo que peguei foi 55 nós. Mas 55 nós deu em Paraty outro dia!

– Do que você mais gosta na Antártica?
– Da convivência com os tipos excêntricos, os malucos e aventureiros que estão por lá. O Paratii 2 é um barco aberto, gostamos de receber as pessoas, especialmente os profissionais que trabalham auxiliando os barcos de turismo. No final do dia, todo mundo cansado, eles vêm encher a cara no Paratii 2. Temos sempre pão quentinho e dois tambores de cachaça, que minhas filhas engarrafam. É sensacional o convívio com esses caras loucos: tem um que invernou sozinho num container, uma turma tentando chegar ao Pólo Sul de caminhonete, enfim, uma fauna. Mas ir à Antártica está ficando cada vez mais difícil.

Amyr Klink [capa frontal]

– Por quê?
– Por causa da burocracia, que tem encarecido e dificultado tudo. Hoje uma viagem de três meses custa, em média, 600 mil reais para cumprir todas as exigências, o sistema de localização, segurança, salvatagem, o custo do diesel. Ushuaia [cidade da Patagônia argentina, porto onde os viajantes à Antártica costumam fazer sua última parada] virou um antro de corrupção e burocracia. Hoje é impossível parar no porto, eles obrigam um veleirinho a pagar taxas altíssimas, que podem chegar a cinco mil dólares.

– Ainda existem grandes aventuras marítimas que não foram realizadas?
– Milhares. O mar não tem fim. Cada viagem à Antártica, por exemplo, é diferente. Agora minhas filhas cresceram e caiu a ficha pra elas que o negócio não é mais ir pro Guraujá. O sonho delas é descer pra lá de novo. Elas foram sete ou oito vezes, mas cada viagem muda radicalmente. Você vai em novembro e é um visual, depois vai em fevereiro e muda tudo: fauna, meteorologia, luz, dependendo da época tem dia contínuo…

– Há uma viagem que você ainda não fez e gostaria de fazer?

Muitas. Conheço mal a Ásia. Gostaria de navegar pro Japão. Mas são lugares burocráticos, e nesse esquema que eu vou, com minha própria embarcação, o mundo ficou complicado para explorar. É que nem o Everest, onde você tem de imprimir a digital na portaria, reservar e comprar o ingresso. Esse é um fenômeno global e que estamos vendo há tempos. A Suécia, onde tenho família, sempre foi um país de fronteira aberta, e hoje é um antro de discriminação. O mundo todo está fechando terrivelmente suas fronteiras. No Mediterrâneo tem o agravante de roubo de barcos.

– Por que o Brasil, com essa costa imensa, tem tão pouca cultura náutica?

– Somos um país com excesso de regras e que não obedece a nenhuma. Nossa legislação ambiental não deixa mexer na beira do rio. É um absurdo, tem que dragar o rio, fazer reparação ambiental, devolver os rios à sua condição original. O problema é que a gente aplica na parte urbana a mesma lei aplicada a um rio no Pantanal. Tem mais: barco, no Brasil, sempre foi privativo de uma elite econômica, nunca foi visto como uma atividade próspera. Palma de Mallorca, por exemplo, fatura mais que todo turismo brasileiro, coisa de 20 bilhões de reais por ano.

– Mas como se explica um país com uma costa de 7500 km navegáveis ter tão pouca atividade marítima?

– Não é só o Brasil, os países latinos em geral erraram em seu encantamento com o automóvel. A primeira cagada que fizemos foi o Complexo Anchieta- Imigrantes, que castrou o maior complexo de canais navegáveis do Brasil. Castramos a Baixada Fluminense, assoreamos tudo. Tem tanto rio no Brasil, mas aqui rio sempre foi tratado como o lugar onde se joga lixo, onde fica o matadouro, o lugar onde a gente se desvencilha do que não quer. E com isso a gente se afastou cada vez mais dos rios. Enquanto isso, na França, um país que até 50 anos atrás não era conhecido pela náutica, passou a recuperar seus portos.

– Acredito que a burocracia da legislação marítima brasileira também tenha sua parcela de culpa no tamanho ridículo de nossa indústria naval…
– Quer um exemplo? No Brasil, se você quer pilotar profissionalmente helicóptero ou caminhão, você faz um curso. Já para dirigir um barco profissionalmente, precisa fazer um curso na Marinha Mercante, que dura de 5 a 7 anos. Paraty deve ter 1500 barcos que trabalham com turismo e transporte, e duvido que qualquer um dos donos tenha feito esse curso. É um absurdo: o cara nasceu no mar, conhece o mar como ninguém, já navegou milhares de milhas, mas não tem a carteira e, oficialmente, não poderia trabalhar.

– Como é a sua habilitação?
– Eu tenho uma habilitação de capitão amador. Tenho 250 mil milhas navegadas, mas está escrito na minha carteirinha: AMADOR.

– Para encerrar: qual seu próximo projeto?
– Quero continuar viajando pro sul, mas não mais canais patagônicos, já que Chile está ficando chato com tanta burocracia, agora exigem um seguro específico para se navegar no Canal de Beagle. O último lugar onde as coisas ainda funcionam as coisas é nas Ilhas Falklands. É um lugar lindo, uma paisagem exótica e hostil, com penhascos e praias espetaculares. Fora que a fauna é impressionante, com algumas das colônias mais incríveis de pinguins e albatroses do mundo. As Falklands são o último destino turístico sul-americano que o Brasil ainda não descobriu.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.