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Existe alguma banda do rock atual melhor que The Brian Jonestown Massacre?

André Barcinski

31/10/2016 05h59

Acaba de sair "Third World Pyramid", 15º álbum de estúdio do grupo americano The Brian Jonestown Massacre. O disco, a exemplo de quase tudo que sai da cabeça do líder do grupo, Anton Newcombe, é de outro planeta. Um dos melhores lançamentos do ano.

A banda nasceu em 1990, em São Francisco, e soava como The Jesus and Mary Chain, My Bloody Valentine, Galaxie 500 e outras bandas associadas ao dream pop e ao shoegaze. Outro elemento forte no som do BJM era a psicodelia dos Stones da fase "Their Satanic Majesties Request" e de bandas sessentistas como Thirteenth Floor Elevators e Love.

O nome The Brian Jonestown Massacre era uma brincadeira unindo Brian Jones, o guitarrista dos Stones, morto em 1969, e o massacre de Jonestown, em que o guru Jim Jones liderou o suicídio coletivo de mais de 900 pessoas na Guiana, em 1978.

O primeiro LP do BJM foi "Methodrone", de 1995. Newcombe era um compositor incansável, e o ritmo de lançamentos da banda impressionava: em quatro anos, o grupo lançou sete álbuns.

Em 2004 saiu o documentário "Dig!", de Ondi Timoner, que contava a relação do BJM com o grupo The Dandy Warhols. O que começou como uma forte amizade entre as bandas terminou em brigas e processos, depois que Newcombe, à época vivendo sérios problemas com drogas e deprimido pelo fracasso comercial de sua banda (enquanto os Dandys estouravam com o álbum "Thirteen Tales From Urban Bohemia"), entrava em parafuso.

No documentário, Newcombe é mostrado como um gênio louco, agressivo e imprevisível (em uma cena, o BJM faz um show para executivos de gravadoras e ele estraga tudo ao chutar a cabeça de um espectador). Veja aqui a sequência impressionante em que ele grava, sozinho, todos os instrumentos e vocais da faixa "The Devil May Care (Mom and Dad Don't)", intercalada com depoimentos dos pais sobre a infância traumática de Anton:

E ouça aqui a música, que entrou no disco "Give It Back", de 1997:

Felizmente, Anton Newcombe sossegou. Em 2010 mudou-se para Berlim, onde casou, teve um filho, montou um estúdio e iniciou sua melhor fase musical. Os trabalhos que tem feito de 2012 para cá põem o BJM, na minha lista, como a banda mais brilhante da última década.

Foram três álbuns do BJM – "Aufheben" (2012), "Revelation" (2014) e, agora, "Third World Pyramid" – além do disco "Musique Du Film Imaginé" (2015), trilha sonora de um filme que só existe na cabeça de Newcombe, e "I Declare Nothing", uma parceria com a cantora canadense Tess Parks. Todos são impressionantemente bonitos e ecléticos, incorporando elementos de música africana e árabe, batidas eletrônicas e as guitarras viajandonas que Newcombe sempre amou.

The Brian Jonestown Massacre fará três shows na América do Sul: dia 12 de novembro toca no Festival Fauna Primavera, com Air, Primal Scream e Courtney Bartnett, entre outros, em Santiago. No dia 13 se apresenta no festival Music Wins!, em Buenos Aires, e no dia 15 faz um show sozinho no Club Niceto, também na capital argentina.

ENTREVISTA EXCLUSIVA COM ANTON NEWCOMBE

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Aproveitando o lançamento de "Third World Pyramid", fiz uma entrevista por e-mail com o inigualável Anton Newcombe. Como sempre, Anton disse o que quis, não necessariamente o que o entrevistador perguntou. Aqui vai:

De onde veio a inspiração para o nome "Third World Pyramid" ("Pirâmide do Terceiro Mundo")?
Não preciso de inspiração para criar música. A criação é inspiradora, e algo que amo fazer diariamente. Gosto de fazer arte e de aprender sobre a arte de outras pessoas, sua cultura e sua história.

A capa parece uma referência ao logo do Spacemen 3 (banda psicodélica inglesa cujos membros depois formaram projetos como Spiritualized, Sonic Boom e Spectrum). O Spacemen 3 foi uma grande inspiração para o The Brian Jonestown Massacre?
Para ser honesto, eu devo ter sido o segundo fã do Spacemen 3 depois do Greg Shaw (fundador da gravadora Bomp!), que os contratou. Tenho tocado e sido amigo daqueles caras por muitos anos, mas essa capa é mais uma pirâmide com um número três no meio do que uma homenagem a eles. Eu amo os caras, mas muitas pessoas não percebem que todas as músicas deles são covers baseados em músicas de outros artistas. Essa é a verdade.

Em entrevistas recentes, você falou de ter sido influenciado por música brasileira. Você pode elaborar um pouco mais esse tema? Que artistas brasileiros você admira?
Amo o jazz que virou a bossa nova, amo Sérgio Mendes & Brasil 66, amo Tropicália, Gal Costa, e amo até esse cara chamado DJ Sabu*, embora acho que ela tenha morrido. O que eu amo na música brasileira é que ela é africana, mas não exatamente. Ela também deve algo à Europa e ao Brasil – seja dos ricos ou dos pobres. É uma música com alma.
*(procurei informação sobre o tal "DJ Sabu", mas só achei um DJ alemão de hard trance; alguns leitores lembraram que ele pode estar se referindo ao produtor sérvio Suba, que morava no Brasil e morreu em 1999).

Sua decisão de mudar para Berlim foi uma decisão artística? Como a cidade tem influenciado sua música?

Foi tanto artística quanto política. Não sei se você se importa, mas durante toda a minha vida os Estados Unidos estiveram em guerra. Tenho 49 anos. Essa realidade tem um efeito na sociedade, que ou a ignora ou tenta justificá-la. Eu sou um artista, não um mentiroso que mente para mim mesmo e para os outros. Foda-se a guerra.

Morando em Berlim, a música eletrônica é quase inescapável, não? Você gosta de música eletrônica?
Eu apenas vivo minha vida. Lembre, toda essa merda moderna é descartável: o pop eletrônico, os mixes e sets de DJs, o contemporâneo urbano, tudo vale tanto quanto um lanche no McDonald's. Você come hoje, mas amanhã ele te faz mal. Claro que é possível ganhar muito dinheiro vendendo merda para as pessoas pobres, mas isso é pobreza de alma.

E música para filmes? Que compositores você admira?
Gosto de muitos compositores, muitos mesmo. Mas o que eu quero mesmo é fazer mais trilhas sonoras fora do sistema hollywoodiano. Foda-se a Babilônia!

Que diretores inspiraram "Musique Du Film Imaginé"? Você pode falar sobre alguns de seus cineastas preferidos?
Amo o grande cinema, mas não estamos vivendo uma boa época para ele. Amo um monte de grandes cineastas que vêm desde a época do nascimento do cinema. O que não gosto é que hoje temos mais bilionários, câmeras, estudantes de cinema, maneiras de editar seu filme em um laptop, Vimeo, Youtube, TVs a cabo, festivais de filmes, streaming, a possibilidade de alugar salas de cinema em todo o mundo e exibir seu filme por streaming e, no entanto, temos menos filmes do que nos anos 1960. Todo mundo está dormindo o sono profundo.

Eu estava no festival Levitation em Austin, há dois anos, quando integrantes do Dandy Warhols subiram ao palco para tocar com The Brian Jonestown Massacre. Foi um momento muito bonito. Como está o relacionamento entre vocês?
Bom. Sou amigo daqueles caras.

Você pode falar um pouco sobre seu processo de composição? Você escreve sozinho ou com outros músicos?
Principalmente sozinho. Componho todo dia e convido pessoas para cantarem comigo em idiomas diferentes.

Para encerrar: quando poderemos ver The Brian Jonestown Massacre no Brasil?
Ah… Eu queria que fosse em novembro, estamos tocando na Argentina [e Chile] pela primeira vez, mas tivemos ZERO interesse de promotores brasileiros. E isso é triste, porque somos bons. Somos muito bons.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.