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Como o Blondie saiu do underground para as paradas de sucesso

André Barcinski

14/11/2018 05h59

Dia 15, o público brasileiro terá a primeira e única chance de ver uma banda histórica: o Blondie. O grupo se apresenta com At the Drive-In, Lorde, MGMT, Death Cab for Cutie e outras no Popload Festival, no Memorial da América Latina, em São Paulo.

Hoje todo mundo conhece o Blondie como um campeão de vendas, uma banda que conseguiu escapar do gueto do punk para se tornar uma grande vendedora de discos dos anos 80. "Heart of Glass", "Rapture", "Call Me", "Atomic" e tantas outras canções fazem parte da programação de qualquer rádio de classic rock.

Mas nem sempre foi assim.

Quando surgiu, no fim dos anos 70, o Blondie fez parte de uma cena musical que floresceu na decadência. No caso, na decadência de uma cidade: Nova York.

Naquela época, Nova York era um esgoto. As ruas eram imundas e habitadas por todo tipo de degenerados. O Central Park era um parque de diversões de heroinômanos e pervertidos. A parte sul da ilha de Manhattan estava completamente dilapidada. Prédios abandonados foram invadidos por squatters. Putas e traficantes dominavam o pedaço. Donos de prédios abandonaram suas propriedades ou os alugaram por uma ninharia. Isso atraiu milhares de jovens de todo o país, que fugiam de suas tediosas vidinhas suburbanas e buscavam um local onde pudessem ser livres.

Uma dessas jovens foi Debbie Harry. Nascida Angela Tremble em 1º de julho de 1945, em Miami, na Flórida, foi adotada aos três meses de idade por Richard e Catherine Harry. Os pais adotivos mudaram o nome de Angela e a levaram para morar em New Jersey, na costa leste dos Estados Unidos.

Debbie foi testemunha do surgimento do rock'n'roll, em meados dos anos 1950. Era fã de Elvis e, depois, dos Beatles. Chegou a Nova York no início da década de 1960, quando Bob Dylan surgia nos pequenos clubes de folk de Greenwich Village. Amava o som dançante e festivo das "girl groups" como Ronettes e Supremes, que inspirariam a criação do Blondie, em 1974.

Em Nova York, Debbie presenciou o auge do teatro de vanguarda, a explosão da cena gay com a revolta de Stonewall, o cinema underground, o grafite que deu origem a pintores como Basquiat, as festas de black music que impulsionaram a disco music e o hip hop. Ela fez parte de uma cena musical das mais ecléticas, radicais e transgressoras, que incluía o rock andrógino do New York Dolls, os experimentos eletrônicos do Suicide, o rock poético de Patti Smith, as jams do Television, o minimalismo barulhento dos Ramones, o funk branco do Talking Heads, o noise de Lydia Lunch e James Chance, e muitos outros.

Esses artistas buscavam inspiração no passado, mas conseguiram criar algo novo, que refletia a urgência, o inconformismo e o antagonismo típicos dos nova-iorquinos. Foi nesse ambiente de anarquia e ecletismo que nasceu o Blondie, a banda mais importante e de maior sucesso comercial da new wave.

DO PUNK AO POP

O pessoal do Blondie adorava o barulho dos Ramones e as experimentações do Talking Heads, mas gostava mesmo era do pop americano dos anos 60, especialmente de Phil Spector e suas girl groups, como as Ronettes.

Desde o início, Chris Stein e Debbie Harry, o casal que liderava o Blondie, tentava fazer um pop adulto, que fosse atrativo para as rádios e ao mesmo tempo não se limitasse aos temas corriqueiros e ingênuos da música de FM. Tanto que a primeira canção gravada pela banda, "X-Offender", de 1976, falava de uma prostituta que era presa pela polícia.

Os dois primeiros discos do grupo – "Blondie" (1976) e "Plastic Letters" (1978) – fizeram relativo sucesso, mas a gravadora Chrysalis queria mais. O selo convenceu o Blondie a usar, no terceiro disco, o produtor australiano Mike Chapman, uma verdadeira máquina de hits que havia produzindo discos de Sweet, Mud e Suzi Quatro, entre muitos outros.

Com Chapman a bordo, a equação de forças na banda mudou. Chris Stein e Debbie Harry continuavam os líderes, mas tiveram de obedecer aos comandos do produtor, que sonhava em transformar aquela talentosa banda, até então mais conhecida na cena alternativa americana, em sucesso mundial.

Pouco a pouco, Chapman foi tornando o som do Blondie mais palatável ao mainstream. Ele tornou os timbres de guitarras menos agressivos, dobrou e até triplicou os canais com a voz de Debbie Harry e usou os teclados de Jimmy Destri para polir ainda mais o som.

A banda, a princípio, não gostou, mas quando começou a ouvir o resultado das primeiras gravações, mudou de ideia.

O grande trunfo de Chapman foi ter percebido o potencial de uma velha canção do grupo, até então inédita, chamada "Heart of Glass". A música havia sido composta em 1974 por Debbie e Chris e chegou a ser gravada numa versão demo, em 1975, com o título "Once I Had a Love", chamada pela banda de "A Canção de Discoteca". Debbie disse que a banda nunca conseguiu decidir se a música era uma balada ou um reggae, e acabaram deixando-a de lado.

Quando Chapman ouviu a canção, decidiu transformá-la numa acelerada discoteca, aproveitando a onda disco que tomava o mundo de assalto com "Os Embalos de Sábado à Noite".

O resultado? Vinte milhões de discos vendidos e uma das canções eternas do pop. Que, é bom lembrar, era a quarta música do lado B de "Parallel Lines".

Um ótimo show e um ótimo feriadão a todos. O blog volta quarta, dia 21.

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Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.