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Ele fundou o Velvet e é pai do "Pequeno Buda": feliz 80, Angus MacLise!

André Barcinski

05/03/2018 05h59

Angus MacLise e a esposa, Hetty, num filme de 1968


Em dezembro de 1965, Al Aronovitz, empresário de um grupo iniciante chamado Velvet Underground, conseguiu para a banda seu primeiro show profissional – ou seja, com cachê. Seria numa escola pública em Summit, New Jersey, abrindo para um grupo pop chamado The Myddle Class.

Quando soube que a banda receberia para tocar, o percussionista do Velvet, Angus MacLise, imediatamente pediu demissão. MacLise era um idealista, e achava insultante trocar sua arte por grana. "Quer dizer que se eles nos pagarem, podem nos dizer quando começar a tocar e quando parar?"

Nessa época, o Velvet era formado por Lou Reed e Sterling Morrison (guitarras), John Cale (viola de arco, teclados e baixo) e Angus MacLise (percussão). MacLise nunca chegou a gravar com o Velvet, e vivia dando cano em ensaios e shows. Numa noite, subiu ao palco meia hora depois da banda e continuou tocando sozinho, meia hora depois de o show terminar.

Uma das primeiras fotos do Velvet Underground, em 1965, com Angus MacLise (direita)

MacLise teve influência na criação do som do Velvet. Ele e John Cale eram membros do Teatro da Música Eterna, um grupo de músicos liderado pelo vanguardista La Monte Young, que ajudou a criar os conceitos da música "noise" e "drone", com longuíssimas improvisações e uma sonoridade que buscava deixar o ouvinte em transe (hoje poucos lembram, mas o verdadeiro "conservador" sonoro do Velvet era Lou Reed, que gostava de rock e pop; John Cale era o verdadeiro maluco-beleza do grupo). Além disso, foi MacLise que sugeriu trocar o nome da banda, de Falling Spikes para The Velvet Underground, título de um polêmico livro da época que investigava "práticas sexuais heterodoxas".

Voltando ao show: a apresentação estava marcada para 11 de dezembro de 1965. Quando MacLise abandonou o grupo, Reed e Cale convidaram Maureen Tucker, irmã de um amigo, para tocar bateria. O primeiro ensaio de Maureen" (ou "Mo", como passou a ser conhecida) foi na tarde de 11 de dezembro, horas antes do show.

Esse show passou para a história como a primeira apresentação "oficial" do Velvet Underground. E foi incomum, porque a banda, acostumada a tocar em festas e "happenings" de beatniks e intelectuais do Village, se viu diante de uma plateia formada por estudantes de 15 anos de idade, que não devem ter entendido bulhufas das letras sobre drogas injetáveis ("Heroin") e sadomasoquismo ("Venus in Furs"). O ótimo site "Dangerous Minds" encontrou, em jornais antigos, comentários de alunos que estiveram no show (veja aqui).

Angus MacLise ainda tentou voltar ao Velvet Underground em 1966, mas Lou Reed não deixou. Segundo relatos, MacLise, um sujeito carismático, genioso e dono de um humor ácido, era uma das poucas pessoas que amedrontava Lou Reed. "Angus era um artista, e vivia de acordo com um único calendário: o calendário Angus", disse John Cale. MacLise era louco demais até para os padrões de insanidade um tanto elásticos de Lou Reed e John Cale.

Depois que saiu do Velvet é que a vida de Angus MacLise ficou esquisita de verdade: ele foi para Berkeley, na Califórnia, epicentro da cultura hippie, onde conheceu uma mulher extraordinária, a poeta, pintora, instrumentista e mística Hetty McGee. Os dois se casaram numa cerimônia comandada por ninguém menos que o Doutor Timothy Leary, guru do uso de LSD e uma das figuras centrais da contracultura.

Angus MacLise colaborou com grupos artísticos como Fluxus e se aprofundou em estudos de magia e ocultismo. Era um dos grandes conhecedores da obra de Aleister Crowley, o bruxo inglês que criou a filosofia religiosa da Thelema, que pregava o amor livre e o uso de drogas como instrumento de expansão da mente.

Fiel ao conceito de separação entre arte e comércio, MacLise pintou quadros, escreveu livros e gravou discos experimentais, sem nenhum objetivo de lucro. Felizmente, Hetty guardou quase toda a obra do marido.

Angus e Hetty tiveram um filho, Ossian MacLise. Aos quatro anos de idade, o menino foi reconhecido por um líder espiritual budista como a reencarnação de uma divindade tibetana. Ossian foi levado ao Nepal, onde tornou-se monge (quem se interessar polo assunto, procure o livro "The Hippie Traveler – Finding the Little Buddah", de Sussan Evermore e Ronald Ritter). Angus e Hetty acompanharam o filho e passaram quase uma década em Katmandu, estudando religiões orientais, fazendo arte e experimentando com todo tipo de substância de expansão da consciência.

Ossian MacLise no Nepal

Dia 14 de março seria o aniversário de 80 anos de Angus MacLise, se não tivesse morrido de tuberculose, em 21 de junho de 1979, num hospital de Katmandu. E as cinzas do fundador da banda que mudou o rock foram espalhadas em uma montanha nepalesa.

NO OSCAR, DEU A LÓGICA: VENCERAM OS PIORES

Juro que tentei assistir à cerimônia do Oscar, mas fui vencido pelo sono, pelos discursos lacradores de multimilionários em roupas de 30 mil dólares, e pelas piadas sem graça e inofensivas de um placebo humorístico chamado Jimmy Kimmel.

As premiações seguiram a lógica da Academia: venceram aqueles que mais se adequam ao gosto careta e um tanto infantilizado dos votantes.

Nas categorias de melhor ator coadjuvante e atriz, a Academia premiou dois dos piores personagens do cinema nos últimos tempos, ambos de "Três Anúncios para um Crime", respectivamente o policial limítrofe de Sam Rockwell, que não percebe um prédio em chamas porque está ouvindo música no walkman, e a mãe vingadora, Frances McDormand, versão feminina de Charles Bronson em "Desejo de Matar", apenas trocando um fuzil por uma broca de dentista.

Na categoria de melhor diretor venceu o mexicano Giullermo Del Toro por "A Forma da Água", história do romance entre Amélie Poulain e um baiacu.

Del Toro, ou Gui Sorrisão, como é conhecido por seu séquito de fanboys, levou pro México o prêmio que Chaplin, Kubrick, Hitchcock e Welles não receberam. Boa, Gui.

"A Forma da Água" venceu também o Oscar de melhor filme, e merecidamente: é uma linda e lúdica parábola sobre como devemos respeitar os anfíbios. Daqui a pouco, numa "Sessão da Tarde" próxima de você.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.