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Filas de groupies, montanhas de pó: na estrada com o Van Halen

André Barcinski

05/02/2018 05h59

Um dia típico no iate do Van Halen…

Acabei de ler um livro divertido, "Runnin' With the Devil", de Noel Monk, relato dos sete anos em que trabalhou com a banda norte-americana Van Halen.

Quando assumiu o posto de tour manager do Van Halen, há exatos 40 anos, Monk estava saindo de uma turnê traumática com o Sex Pistols nos Estados Unidos, um pesadelo que durou 12 dias e terminou com a separação da banda (Monk escreveu um livro sobre a experiência, "12 Days on the Road – The Sex Pistols and America", que recomendo demais).

No início de 1978, o Van Halen estava prestes a lançar seu LP de estreia e buscava um profissional experiente para ajudar em sua primeira turnê norte-americana. Monk havia trabalhado como técnico de palco no festival de Woodstock e na lendária casa de shows Fillmore East, em Nova York, e foi contratado pela gravadora Warner Bros. para acompanhar a banda na estrada.

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Na época, o Van Halen estava em ascensão: de pequenos shows em bares e festinhas em repúblicas de estudantes, progredira para palcos de clubes famosos da cena de Los Angeles, como o Gazzarri's. Gene Simmons viu um show e gostou tanto que bancou a gravação de uma fita demo. Mas o agente do Kiss o dissuadiu da idéia: "Essa banda nunca vai chegar a lugar algum".

Monk e o parça Sid Vicious, clicados por Bob Gruen em 1978, na turnê que destruoi Os Pistols

O Van Halen foi formado por dois irmãos holandeses, o guitarrista Edward (Eddie) e o baterista Alex Van Halen. A família mudou para a Califórnia nos anos 60. Em 1974, convidaram o amigo David Lee Roth, filho de um oftalmologista multimilionário, para ser o cantor, e completaram a formação original com o baixista Michael Anthony.

O livro de Monk relata a transformação rápida do Van Halen, de banda pequena que abria shows do Montrose e Journey a um dos maiores nomes do rock americano.

Dave e seu uniforme de camarim

O Van Halen fez relativo sucesso no Brasil, onde tocou em 1983 (meus ouvidos ficaram zunindo por uma semana), mas nada que se comparasse à fama que tinha nos Estados Unidos. Foi uma das primeiras bandas – ouso dizer, a primeira – que fez a ponte entre o heavy metal, o hard rock e o "neoglam". Se você gostasse de Black Sabbath, Deep Purple ou Motley Crue, tinha boas chances de gostar do Van Halen. O som era pesado ma non troppo; as canções tinham refrães pop, e todo mundo babava com os solos de Eddie Van Halen.

Outro aspecto importante do Van Halen, e que o diferenciava da imensa maioria das bandas de metal e hard rock da época: as meninas amavam. Diferentemente das plateias de shows de metal, que mais pareciam reuniões do Talibã, concertos do Van Halen eram conhecidos pela alta presença feminina.

O que nem todo mundo sabe é que os integrantes do Van Halen, embora exibissem carinhas de bons meninos, eram completamente fora de controle: David Lee Roth tinha um ego descomunal, exacerbado pelas montanhas de cocaína que consumia; Eddie Van Halen cheirava ainda mais, e Alex bebia 24 horas por dia. Michael Anthony era a exceção: tímido e reservado, bebia pouco, quase não se drogava e casou com a namoradinha de escola, enquanto os outros três recebiam filas (não é força de expressão, eram filas mesmo) de groupies.

"Senhor, por favor nos acompanhe até o distrito…"

O livro de Monk traz histórias sensacionais: Dave Lee Roth exigindo da gravadora um seguro para o próprio pênis; Eddie contratando um traficante para acompanhar a banda em turnês; Dave dando um piti num hotel e obrigando os seguranças a botá-lo numa camisa de força; Alex confessando que tinha por hábito dormir na cama dos pais – armado com um rifle!

Os valores que recebia de cachês e merchandise dão uma boa ideia da fama do Van Halen: em 1982, a banda faturava em média 250 mil dólares por show com venda de camisetas. Em 1983, foi convidada para tocar no US Festival, um megafestival de quatro dias que reuniu David Bowie, The Clash, Men at Work, Ozzy Osbourne e Stevie Nicks, entre outros. O Van Halen só topou participar se fosse a atração mais bem paga do evento, e saiu de lá com 1,5 milhão de dólares, uma fortuna hoje em dia, e um valor absurdo para a época.

Noel Monk foi despedido da banda no fim de 1984, quando a tensão entre Dave e os irmãos Van Halen chegou ao limite. Dave partiria logo depois, enquanto a banda lançava seu maior disco, "1984", que trazia "Jump", única faixa do Van Halen a chegar a número 1 da "Billboard".

Fazia sentido despedir o vocalista e o tour manager no momento em que a banda atingia o pico de popularidade? Nenhum. Mas é difícil pensar com clareza diante de uma montanha de farinha.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.