Topo

"Blade Runner 2049" é uma decepção

André Barcinski

11/10/2017 05h59

"Blade Runner 2049" tinha tudo para ser um filmaço.

Em primeiro lugar, é continuação de "Blade Runner", o clássico que Ridley Scott dirigiu em 1982. A sequência tem Harrison Ford no elenco, foi escrita pelo mesmo roteirista que coescreveu o filme original, Hampton Fancher, fotografada pelo ótimo Roger Deakins ("Fargo", "Um Sonho de Liberdade") e dirigida por Denis Villeneuve, um canadense talentoso que fez "Sicario" (2015) e "A Chegada" (2016).

Infelizmente, Villeneuve não captou o espírito do filme original. "Blade Runner" era um thriller policial neo-noir, só que passado num futuro distópico e baseado – muito vagamente – num romance do escritor de ficção-científica Philip K. Dick. O charme do filme original foi envelopar uma história bonita sobre memória e mortalidade numa embalagem de filme B, com todos os clichês do cinema noir, da femme fatale à fotografia Expressionista, passando por cenários chuvosos e um clima sombrio e melancólico. Era um filme inteligente e ambicioso, mas que também funcionava como simples diversão.

Já o "Blade Runner" de Villeneuve é solene e um tanto auto-indulgente. Para começar, dura intermináveis 163 minutos, 45 a mais que o filme original e pelo menos uma hora a mais do que o necessário para contar uma história tão simples. O resultado é um filme muito bonito, mas tedioso em partes, e com uma trama rala e atrapalhada por uma narrativa pomposa. A música – ribombante, altíssima – tenta compensar a falta de ritmo e emoção da história, sem sucesso.

2049

A trama começa 30 anos depois do filme original. Ryan Gosling faz K, um replicante que trabalha para o Departamento de Policia de Los Angeles exterminando androides de modelos antigos.

Durante uma missão, K encontra a ossada de uma antiga replicante e descobre que ela deu à luz uma criança. Isso ameaça a estrutura social vigente, e K é mandado pela polícia para encontrar e eliminar a criança.

Quem também procura a criança é Niander Wallace (Jared Leto), um magnata fabricante de androides, que manda sua assistente, a sanguinária e linda Luv (Sylvia Hoeks), vigiar os passos de K. A investigação de K acaba por levá-lo atrás de Rick Deckard (Harrison Ford).

Não vou contar mais para não estragar a surpresa, mas a base da história é essa: a busca por uma criança misteriosa.

Villeneuve soterrou essa trama simples numa overdose de significados e divagações, prejudicando o ritmo do filme. Há longas sequências que não contribuem para o desenvolvimento da trama e parecem estar ali pela única razão de serem visualmente impactantes. Alguns personagens são potencialmente interessantes, mas somem de repente da história (a impressão é de que o filme tinha umas quatro horas de duração e Villeneuve precisou cortar partes inteiras para chegar a um tamanho aceitável.

Algumas cenas são muito bonitas (um "ménage" virtual envolvendo K e duas moças é especialmente forte), mas o ritmo arrastado do filme faz o espectador torcer por menos visual e mais ação.

Enfim, "Blade Runner 2049" funciona como um tributo ao filme original, mas tem um roteiro pesado, que arrasta o filme. Os personagens são muito menos interessantes e memoráveis do que os do original. Mas seu grande problema é mesmo a solenidade.

Um ótimo feriado a todos. O blog volta segunda, dia 16.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.