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Afinal, booktubers fazem jornalismo, publicidade, ou jabá?

André Barcinski

05/09/2018 05h59

Semana passada rolou na Internet uma polêmica sobre os booktubers, influenciadores digitais que apresentam canais sobre livros no Youtube.

Depois de receber um e-mail com a lista de valores que a booktuber Tatiana Feltrin cobrava para resenhar livros, o escritor Ronaldo Bressane publicou o e-mail em suas redes sociais, sob o título: "Jabá: é assim que funciona o esquema booktuber".

A história está muito bem descrita nesta coluna de Ruan de Sousa Gabriel no site da "Época".

Não vou entrar no mérito da discussão entre o escritor Ronaldo Bressane e a booktuber Tatiana Feltrin. Não acompanho os canais de booktubers e não tenho como avaliá-los.

Quero também deixar claro que não sou próximo de nenhum dos dois. Conheço Bressane socialmente, sou admirador de seu trabalho e temos uma relação cordial, mas distante. E não conheço Tatiana Feltrin, mas, pelo que leio, muita gente a admira.

O tema que me interessa aqui, e sobre o qual venho escrevendo há algum tempo, é a confusão que o público tem feito entre crítica, publicidade e jabá.

Crítica é a avaliação de uma obra artística. Só é válida, no meu entender, se o crítico não tiver relação comercial com o criticado.

Publicidade, segundo o site Marketing de Conteúdo, é "Estratégia de marketing que envolve a compra de espaço em um veículo de mídia para divulgar um produto, serviço ou marca, com o objetivo de atingir o público-alvo da empresa e incentivá-lo a comprar".

E jabá significa, segundo alguns dicionários, "Dinheiro ou qualquer coisa usada para corromper alguém".

Resumindo: na crítica existe a separação entre crítico e criticado, enquanto publicidade e jabá são relações comerciais entre as partes.

Qual seria então a diferença entre publicidade e jabá?

Na minha opinião, o que diferencia os dois é a clareza com que a ação é divulgada ao consumidor. Se o consumidor sabe que aquilo foi pago, é publicidade; se não sabe, é jabá.

Exemplo: se um booktuber cobra de uma editora para falar sobre um livro, isso é publicidade. Mas se o espectador não é avisado que o conteúdo foi pago e acredita que a divulgação deveu-se apenas a uma decisão pessoal do booktuber, isso é jabá.

Você pode envelopar o jabá da maneira que quiser: pode chamá-lo de "publieditorial", "branded content" ou "conteúdo patrocinado", mas, se não ficar absolutamente claro para o consumidor que o conteúdo foi pago, vai continuar sendo jabá.

Alguns exemplos de jabá:

Se o Chacrinha trocava aparições de artistas em seu programa por shows dos artistas nas caravanas que promovia, era jabá.

Se uma emissora de TV recebe grana de um festival para fazer a "cobertura" do evento, é jabá.

Se uma rádio recebe dinheiro de uma gravadora para tocar determinada música, é jabá.

Se um influenciador digital recebe grana ou mimos de uma emissora, gravadora ou editora para falar de determinado produto, e não avisa aos seguidores que está sendo pago, é jabá.

Se um site de turismo recebe passagens ou hospedagens de graça para fazer matérias sobre algum destino ou resort, e não deixa claro para os leitores que se trata de ação publicitária, é jabá.

É preciso diferenciar opinião de publicidade, e jornalismo de propaganda. São coisas distintas. Mas a maioria dos consumidores não só não sabe diferenciá-las, como não se importa mais. Virou tudo a mesma coisa.

Não estou dizendo que jornalismo e publicidade devem ser inimigos. Muito pelo contrário: sem publicidade, nenhum veículo de comunicação sobrevive.

O problema é quando a publicidade começa a pautar o jornalismo.

Num mundo ideal, as editoras não pagariam a booktubers para falar de seus livros, mas anunciariam nos canais desses booktubers, que teriam liberdade editorial para resenhar os livros que quisessem.

Claro que isso poderia criar uma relação comercial em que o booktuber se sentisse impelido a elogiar os livros da tal editora. É por isso que, em qualquer veículo de comunicação que se preze, o setor comercial deve estar completamente separado do editorial. Mas isso é papo de jornalista velho.

Há outra opção: os seguidores dos booktubers poderiam – ó pecado! – começar a pagar pelo conteúdo.

Tatiana Feltrin tem mais de 300 mil seguidores no Youtube. Se cada um pagasse DEZ CENTAVOS por mês, Tatiana receberia um salário de 30 mil reais e ficaria livre para falar sobre os livros que quisesse, sem depender de publieditoriais. E aí, amantes da literatura, quem se habilita?

Em tempo: não faço publieditorial e, muito menos, jabá. Nada contra quem curte um jabazinho, mas ainda prefiro jornalismo.

Um ótimo feriado a todos. O blog volta segunda, 10 de setembro.

Visite meu site: andrebarcinski.com.br

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.