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James Ellroy: como o assassinato da mãe inspirou o maior autor policial

André Barcinski

23/07/2018 05h59

Em março de 1958, Geneva Hilliker deu um ultimato ao filho, Lee, de 10 anos: se Lee quisesse morar com ela, precisava se comportar melhor. O menino disse: "Eu não quero morar com você, quero morar com papai!"

A escolha de Lee era compreensível: Geneva era uma enfermeira divorciada, que tinha problemas para pagar as contas e morava numa área barra pesada do subúrbio de Los Angeles. Ela bebia e deixava o filho sozinho enquanto se divertia com vários namorados. Na visão de Lee, o pai, Armand Ellroy, era bem mais divertido: Armand levava o filho ao cinema e às lutas de boxe que ambos adoravam.

Geneva tinha um temperamento explosivo, e não reagiu bem à resposta de Lee: espancou o filho, que caiu de costas numa mesinha da sala e cortou a cabeça. Lee amaldiçoou a mãe: "Quero que você morra!".

Três meses depois, em 22 de junho de 1958, Geneva apareceu estrangulada e violentada num terreno baldio.

Matéria de jornal de 1958 mostra Geneva e o filho, Lee (James)

Lee nunca se livrou do sentimento de culpa. Julgava-se responsável pela morte da mãe. Ele abandonou os estudos, foi pro Exército, largou o Exército, virou um junkie, alcoólatra e ladrão. Foi preso algumas vezes e chegou a morar na rua. "Eu era um voyeur, um tipo muito estranho. Gostava de invadir casas de estranhos e cheirar calcinhas de mulheres." O assassinato da mãe nunca foi solucionado.

O crime fez nascer em Lee uma obsessão pela violência e pelo trabalho policial. Ele cresceu lendo revistas "pulp", fascinado pelas histórias sangrentas do Departamento de Polícia de Los Angeles e por séries de TV e rádio como "Dragnet". Também adotou outro nome: James.

James em sua fase barra pesada, 1971

Em 1981, aos 33 anos, publicou seu primeiro romance, "Brown's Requiem". Mas foi o sétimo livro, "Dália Negra", lançado em 1987, que o botou no mapa. O livro recriava a história real de Elizabeth Short, uma aspirante a atriz que fora encontrada morta e mutilada num terreno baldio de Los Angeles, em 1947. O "Caso da Dália Negra", como foi batizado pela imprensa local, lembrava a morte da mãe, e tornou-se uma obsessão para James.

Veja uma boa entrevista com Ellroy, feita em 2011, durante a FLIP, em que ele fala sobre o assassinato de Geneva:

Em meados dos anos 90, James decidiu investigar o assassinato da mãe. Contratou um experiente detetive e passou dois anos vasculhando arquivos e entrevistando as poucas pessoas ligadas ao caso que ainda estavam vivas. O resultado foi "My Dark Places" (em português, "Meus Lugares Escuros"), mistura de relato autobiográfico e crônica investigativa, e um dos livros mais intensos e apavorantes que já li.

O assassinato de Geneva Hilliker, mãe de James Ellroy, acaba de completar 60 anos. É uma data importante porque marcou, de certa forma, o início da carreira de James. E qualquer um que acompanhe o blog sabe de nossa obsessão por qualquer coisa relacionada a James Ellroy. Ele é, na minha opinião, não só o maior escritor policial de todos os tempos, mas um dos maiores escritores contemporâneos, em qualquer gênero ou idioma.

Já escrevi bastante sobre o sujeito e alguns de seus livros mais importantes, como "Dália Negra", "Los Angeles, Cidade Proibida", "Tablóide Americano" e "Sangue Errante".

Aqui está uma entrevista que fiz com ele, em 2001. E aqui, um texto sobre mais recente livro, "Perfídia".

Para quem gosta dos livros de Ellroy, duas boas notícias: a primeira é que um novo livro, "This Storm", continuação de "Perfídia", sai em abril de 2019. A segunda é que o britânico Steve Powell, um dos maiores conhecedores da obra de Ellroy e autor de dois livros sobre o autor, acaba de editar "The Big Somewhere: Essays on James Ellroy's Noir World", uma coletânea com ensaios sobre o estranho mundo de James Ellroy. Aproveitando o gancho, recomendo explorar o blog de Steve Powell, "The Venetian Vase", sobre literatura policial.

Visite meu site: andrebarcinski.com.br

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.