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Jards Macalé, Di Melo, Walter Franco: série de TV resgata “malditos” da MPB

André Barcinski

21/05/2018 05h59

Emicida e Di Melo, o "Imorrível"


Hoje, às 21h, o canal Curta! estreia a série "Os Ímpares". A idéia é engenhosa: artistas da nova safra da música brasileira interpretam canções de compositores talentosos dos anos 1960, 1970 e 1980, que não tiveram sucesso comercial ou a fama que mereciam.

Os nomes homenageados são Jards Macalé, Walter Franco, Di Melo, Marku Ribas, Itamar Assumpção, Pedro Santos, Sérgio Sampaio, Ronnie Von, Arthur Verocai e Jorge Mautner. Cada um teve um disco escolhido, e duas canções desses LPs foram reinterpretadas por artistas novos (ou não tão novos assim, casos de Nação Zumbi e Teresa Cristina). Veja a programação completa da série aqui.

Os dez episódios têm a mesma estrutura: num estúdio no Rio de Janeiro, o diretor musical da série, Berna Ceppas, reúne uma banda que recebe os artistas novos para tocar músicas dos compositores veteranos. As cenas de ensaios e gravações são intercaladas com depoimentos dos artistas novos e, quando possível, dos homenageados.

A série é dirigida por Isis Melo e Henrique Alqualo. Assisti a três episódios, todos muito interessantes: Di Melo, Jards Macalé e Itamar Assumpção.

O que vai ao ar hoje mostra Emicida e Pretinho da Serrinha interpretando canções do soulman Di Melo. Emicida canta "Kilariô" e Pretinho da Serrinha interpreta "A vida em seus métodos diz calma", faixas do primeiro disco de Di Melo, gravado em 1975.

Era um LP surpreendente, misturando samba-rock, funk e psicodelia (ouça a faixa "Conformópolis"), mas não vendeu nada. Di Melo tentou uma carreira de compositor (escreveu "Volta", gravada por Wando), mas acabou desanimando da música e sumiu por mais de 30 anos. Disseram até que tinha morrido. Para ironizar os boatos sobre sua partida, Di Melo gravou, em 2016, um disco chamado "Imorrível", mesmo título de um documentário sobre ele, produzido em 2011.

"Os Ímpares" funciona em vários aspectos: o primeiro é como resgate de artistas singulares que merecem ser conhecidos por novas gerações. O segundo é como documento do processo de recriação das músicas desses compositores. É muito legal ver a Nação Zumbi trabalhando no arranjo de sua versão para "Revendo Amigos", de Jards Macalé e Wally Salomão, ou os músicos da banda reunida por Berna Ceppas conversando sobre detalhes de uma fita demo de Itamar Assumpção.

Alguns depoimentos são bastante informativos. A entrevista de Di Melo sobre a gravação de seu primeiro disco dá uma boa idéia do nível de qualidade da música brasileira dos anos 1970: o LP foi gravado em oito dias num estúdio de quatro canais, com uma banda de outro planeta, que incluía Hermeto Pascoal (flautas e teclados) e Heraldo do Monte (violas e violões).

Outras opiniões interessantes são as do produtor Daniel Ganjaman, que associa a "poética abstrata" das letras do primeiro disco de Jards Macalé aos arranjos minimalistas do LP, e a do guitarrista da Nação Zumbi, Lucio Maia, que descreve o som de Macalé como antirradiofônico, "agressivo, com aquele violão na cara".

Já alguns depoimentos deixam mais dúvidas que respostas: o que será que Criolo quis dizer quando, instado a opinar sobre sua versão para uma música de Macalé, declarou: "Não sou de racionalizar muito não, eu vivo a energia que a canção oferece"?

Os discos homenageados em "Os Ímpares" são:

"Di Melo" (1975), por Emicida e Pretinho da Serrinha

"Jards Macalé" (1972), por Criolo e Nação Zumbi

"Underground" (1973), de Marku Ribas, por Teresa Cristina e BNegão

"Beleléu, Leléu, Eu" (1980), de Itamar Assumpção, por Alice Caymmi e Anelis Assumpção (filha de Itamar)

"Krishnanda" (1968), de Pedro Santos, por BaianaSystem e Domenico Lancellotti

"Revolver" (1975), de Walter Franco, por Ava Rocha e As Bahias e a Cozinha Mineira

"Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua" (1973), de Sérgio Sampaio, por Tulipa Ruiz e Negro Leo

"Bomba de Estrelas" (1981), de Jorge Mautner, por Tono e Exército de Bebês

"A Misteriosa Luta do Reino de Parassempre contra o Império de Nuncamais" (1969), de Ronnie Von, por Dônica e Maria Luiza Jobim

"Arthur Verocai" (1972), por Letícia Novaes e coletivo Paraphernália.

Visite meu site: andrebarcinski.com

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.