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Milos Forman: o cinema contra as tiranias

André Barcinski

14/04/2018 13h22


Milos Forman, o grande cineasta tcheco, morreu dia 13, aos 86 anos (leia aqui um texto sobre ele que fiz para a "Folha").

A maioria conhece Forman pelos filmes que dirigiu em Hollywood, como "Amadeus" (1984), "Um Estranho no Ninho" (1975) e "O Povo Contra Larry Flint" (1996), mas poucos lembram a importância que ele e um grupo extraordinário de cineastas do leste europeu tiveram para o cinema mundial, a partir dos anos 60.

Quando eu era novo, havia muitos cineclubes e videolocadoras, onde era possível assistir aos filmes dessa turma. Tive a sorte de ver filmaços como "Trens Estreitamente Vigiados" (Jiri Menzel, 1967); "A Pequena Loja da Rua Principal" (Jan Kadar e Elmar Klos, 1965); "As Margaridas" (Vera Chytilova, 1966), "Um Dia, Um Gato" (Vojtech Jasny, 1963) e vários filmes do próprio Forman, como "Os Amores de uma Loura" (1964) e "O Baile dos Bombeiros" (1967).

Veja aqui um trecho de "O Baile dos Bombeiros":

E isso só contando cineastas tchecos e eslovacos. Outros países próximos tinham cenas igualmente fortes:

Polônia – Roman Polanski, Walerian Borowczyk, Andrzej Wajda, Andrzej Munk, Jerzy Skolimowski

Iugoslávia – Dusan Makavejev, Aleksandar Petrovic

Hungria – Istvan Szabo, Micklos Jancso

É uma pena que nossos serviços de streaming e TVs a cabo ignorem completamente o cinema clássico, impossibilitando às novas gerações descobrir os filmes desses artistas.

Voltando a Milos Forman: é impossível falar de sua carreira sem falar da história da Tchecoslováquia a partir da segunda metade do século 20. Não é difícil entender por que ele fez filmes tão combativos e críticos de tiranias e opressões.

Forman dirige Jack Nicholson no set de "O Estranho no Ninho", em 1975

Forman nasceu em 1932, a tempo de ver a ocupação de seu país pelos nazistas (em 1938) e pelos comunistas (com a invasão das tropas do Pacto de Varsóvia, em 1968). Os pais morreram em campos de concentração nazistas. Quando Milos tinha pouco mais de 30 anos, descobriu que seu pai, na verdade, era um arquiteto com quem a mãe havia tido um romance extraconjugal. O arquiteto também havia sido preso em um campo de concentração nazista, mas conseguira escapar.

Essa história se repetiu, com pequenas variantes, nas vidas de quase todos os cineastas do leste europeu do fim dos anos 60. Alguns, como Forman, Ivan Passer, Roman Polanski e Istvan Szabo, conseguiram ter carreiras de sucesso trabalhando nos Estados Unidos e Europa, mas os que ficaram em seus países sofreram com censura e boicotes.

Um caso emblemático é o de Vera Chytilova, uma das mais promissoras cineastas tchecas dos anos 60, que se recusou a abandonar o país depois da invasão soviética e passou mais de sete anos sem fazer um filme. Para sobreviver, Chytilova dirigiu comerciais, que assinava com o nome do marido.

Fica a pergunta: que filmes Chytilova teria feito se tivesse seguido o exemplo de Milos Forman e buscado trabalho em outros países?

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Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.