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O Poderoso Chefão que dominou o rock e inspirou "Os Sopranos"

André Barcinski

28/02/2018 05h59


Com quase uma década de atraso, li "Me, the Mob and the Music", autobiografia do roqueiro Tommy James.

James tem 70 anos e anda meio esquecido, mas é um personagem importante do rock americano. Na virada dos anos 60, liderou uma das bandas mais famosas do país, Tommy James and the Shondells, que lançou hits como "Hanky Panky", "Mony Mony", "Crimson and Clover" e "Crystal Blue Persuasion".

A história de Tommy James é muito interessante: ele montou a primeira banda em Michigan, aos 12 anos de idade. Aos 16 já era profissional, e aos 18 gravou um compacto ("Hanky Panky") que não deu em nada, até que um DJ da região de Pittsburgh achou o disco num sebo, vendeu 80 mil compactos piratas, e a canção, relançada por uma gravadora oficial, acabou no topo das paradas americanas.

Mas a carreira de James tomaria um rumo bizarro em 1966. Naquele ano ele viajou a Nova York, onde foi bajulado pelos grandes selos da época, todos babando para assinar o autor de "Hanky Panky" (Tommy só não contou que havia surrupiado a música de uma banda chamada The Raindrops).

Entre as gravadoras que fizeram propostas, estava a Roulette Records. Tommy tinha 19 anos e não sabia nada sobre o showbiz. Só sabia que a Roulette pertencia a um sujeito chamado Morris Levy, um dos homens mais poderosos da indústria da música e dono um dos clubes mais importantes do jazz, o Birdland. Também sabia que a Roulette havia lançado discos de sucesso de Jimmie Rodgers, Joey Dee and the Starliters, The Playmates e Buddy Knox. Isso bastava para Tommy, e ele assinou um contrato com Morris Levy.

Levy (à direita): "Isso, Tommy, assina aqui e eu fico com todos os seus royalties!"

O que Tommy não sabia é que Morris Levy era ligado à Máfia, e que a Roulette, assim como muitas das mais de 90 empresas de Levy, era usada para lavar dinheiro dos Genovese, um dos clãs mafiosos mais poderosos e violentos do mundo.

No início, Tommy adorou trabalhar com Levy: todos os seus compactos tocavam em rádios, as revistas de música lhe dedicavam ampla cobertura, e promotores de shows faziam fila para contratar The Shondells. Claro que isso só acontecia porque Morris Levy e seus amigos mafiosos controlavam o esquema de jabá nas rádios (chamado "payola" nos Estados Unidos) e ganhavam um percentual de cada ingresso de show vendido.

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Tommy logo percebeu que havia uma palavra proibida na Roulette: "royalties". Levy simplesmente se recusava a pagar o percentual que seus artistas recebiam pela venda de cada disco. Um dia, cansado de levar calote, Tommy pediu a seu advogado que fizesse a contabilidade de quanto tinha a receber da gravadora. Quase caiu de costas quando viu o valor: 40 milhões de dólares! (estamos falando do início dos anos 70!). Quando o advogado pressionou Levy pelo dinheiro, recebeu a resposta: "Se você vier de novo com esse número, vai acabar boiando num rio".

Quando o assunto era trambique, Morris Levy era o pai da matéria: ele pirateava os próprios discos para não pagar royalties para os músicos, obrigava artistas a lhe dar parcerias em canções, e tinha cerca de 60 gravadoras que só existiam no papel e serviam apenas para lavar dinheiro. "Morris tinha mais prazer em ganhar dez centavos ilegalmente do que mil dólares de maneira legal", escreve Tommy.

Em 1973, Morris Levy se meteu numa pendenga judicial com ninguém menos que John Lennon. Levy percebeu, com alguns anos de atraso, que Lennon havia roubado alguns versos de "You Can't Catch Me", de Chuck Berry, para a letra de "Come Together", lançada pelos Beatles no álbum "Abbey Road", em 1969. Os direitos da música de Berry pertenciam a Levy, e o mafioso deu a Lennon um ultimato: ou ele gravava alguns rocks antigos que pertenciam a Levy, ou seria processado por plágio. Lennon topou e gravou um álbum inteiro com clássicos de Gene Vincent ("Be Bop a Lula"), Fats Domino ("Ain't that a Shame"), Chuck Berry ("Sweet Little Sixteen") e Buddy Holly ("Peggy Sue"), todos do catálogo de Levy.

Aí, outro louco entrou na história: o produtor do disco, Phil Spector. Depois de sofrer um de seus incontáveis surtos psicóticos, certamente amplificado por quantidades oceânicas de birita, Spector simplesmente roubou as fitas originais, sumiu por meses, e só as devolveu depois que a gravadora de Lennon lhe pagou 90 mil dólares de resgate.

Nesse intervalo, Lennon gravou o álbum "Walls and Bridges". Levy achou que o ex-Beatle havia desistido de lançar o disco de clássicos do rock, e ameaçou retomar o processo de plágio. Lennon garantiu que o projeto estava andando e, em sinal de boa fé, deu a Levy uma fita bruta com as sessões de Spector. E o que fez Levy? Antes que a Apple, gravadora de Lennon, lançasse o álbum "Rock'n'Roll", Levy pôs no mercado "Roots: John Lennon Sings the Great Rock and Roll Hits". Lennon rapidamente processou Levy e conseguiu interromper a venda do disco, hoje uma raridade entre fãs dos Beatles.

Em meados dos anos 80, o FBI acusou Levy de extorsão, lavagem de dinheiro, associação criminosa e tráfico de drogas. O processo levou quase quatro anos. Levy foi condenado a dez anos de prisão e morreu de câncer poucas semanas antes de ir em cana, mas sua figura foi imortalizada no personagem Hesh Rabkin, de "Família Soprano", claramente inspirado no Poderoso Chefão da música.

Hesh Rabkin, de "Sopranos", foi inspirado em Morris Levy


KADAVAR NO BRASIL!

Excelente notícia para quem curte stoner e outros gêneros derivados de Black Sabbath: o trio alemão Kadavar está no país. Vi em 2014 e achei impressionante ao vivo.

Dia 1º eles tocam em Belo Horizonte (Studio Bar); dia 2 em Florianópolis (Célula Showcase), dia 3 em São Paulo (Fabrique) e dia 4 no Rio (Cais da Imperatriz). Não perca.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.