Topo

Em busca da onda perfeita

André Barcinski

23/10/2017 05h59


O norte-americano William Finnegan tem 65 anos, trabalha para a revista "The New Yorker" e é um jornalista especializado em coberturas em áreas de conflitos. Já cobriu a luta contra o apartheid na África do Sul, o genocídio em Ruanda, a guerra na Bósnia, os cartéis de droga no México e a guerrilha em El Salvador.

Mas na vida de Finnegann há um tema ainda mais presente: o surfe.

Por mais de meio século, desde que a família se mudou para o Havaí, nos anos 60, ele viaja pelo planeta – muitas vezes aproveitando as pautas jornalísticas para as quais é destacado – buscando as melhores ondas.

Nos anos 70, ele e um amigo descobriram uma onda em Fiji, quebrando numa ilhota chamada Tavarua, que depois se tornaria famosa no circuito de surfe mundial. O mesmo ocorreu quase 20 anos depois, quando Finnegan ficou obcecado por uma monstruosidade de seis metros que quebrava na Ilha da Madeira, em Portugal.

Finnegan surfando em Fiji, em 2005

Suas buscas pela onda perfeita o levaram a Maui, Austrália, África, e a locais pouco conhecidos como paraísos surfistas, como São Francisco, na Califórnia, e o litoral de Nova York.

Em 2015, Finnegan lançou "Dias Bárbaros – Uma Vida no Surfe", em que relata os anos de busca por ondas. Mas o livro é muito mais que isso. Paralelamente à descrição de swells, tubos e drops, Finnegan conta a história dos locais onde surfou, sua relação com os surfistas locais, e a maneira como esses picos foram transformados pela popularização e profissionalização do surfe. É um relato fascinante mesmo para quem nunca ficou de pé numa prancha. O livro venceu o Pulitzer de melhor autobiografia de 2016, e Finnegan veio à Flip para lançar a edição em português..

Aqui, um trecho bonito de "Dias Bárbaros":

"Um de meus piores momentos como repórter ocorrera em El Salvador, em um dia de eleição durante a guerra civil. Três jornalistas foram mortos e um ficou ferido. Fiquei preso em um tiroteio em uma aldeia na província de Usulután. Na aldeia seguinte, um cinegrafista holandês chamado Cornel Lagrouw foi baleado no peito. O exército atacou o carro que tentava levá-lo ao hospital, prendendo-o com fogo aéreo. Lagrouw morreu na estrada. Eu estava lá quando o declararam morto. A namorada dele, Annelies, que era sua técnica de som, não tirava os olhos dele. Ela beijou suas mãos, seu peito, seus olhos, sua boca. Limpou a poeira de seus dentes com o lenço. Depois que escrevi e enviei a matéria, fui surfar. El Salvador tem uma bela onda chamada La Libertad, que naqueles dias estava vazia por causa da guerra. Passei uma semana escondido em La Libertad. Surfar era um antídoto, por mais suave que fosse, para o horror."

Parágrafos como esse, que narram as histórias jornalísticas de Finnegan, são raros. O que domina o livro são mesmo relatos sobre ondas e os locais em que elas quebram. Espero que ele lance a segunda parte de sua autobiografia, sobre seus dias nas linhas de combate.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.