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“Slenderman”: a lenda virtual que transforma crianças em assassinas

André Barcinski

29/05/2017 05h59

A HBO exibe "Cuidado com o Slenderman", documentário de Irene Taylor Brodsky sobre o caso de duas meninas de 12 anos que tentaram matar uma amiga a facadas, supostamente influenciadas por um personagem chamado "Slenderman" ("Homem Magro", em português).

O caso ocorreu em maio de 2014 numa cidade de 70 mil habitantes chamada Waukesha, no estado americano do Wisconsin (norte dos Estados Unidos). Duas amigas, Morgan e Anissa, levaram outra amiga para uma floresta, a esfaquearam 19 vezes e a abandonaram no local. Felizmente, a menina sobreviveu e conseguiu chegar a uma estrada, onde foi socorrida. Morgan e Anissa foram presas caminhando numa rodovia, a caminho de um suposto encontro com o "Slenderman". Aos policiais, disseram que atacaram a amiga a mando do homem misterioso. "Se não a sacrificássemos, o 'Slenderman' mataria nossas famílias", disse uma delas.

O filme conta a história do crime e a origem do mito de "Slenderman". Ele surgiu em 2009 numa competição de photoshop num site chamado Something Awful. Usuários do site foram desafiados a criar imagens supostamente paranormais, em cima de fotografias de verdade. O vencedor do concurso, um rapaz chamado Eric Knudsen, pegou uma foto antiga de crianças num parque e adicionou, ao fundo, a imagem misteriosa de um homem sem face e muito alto e magro, que chamou de "Slenderman". Depois incluiu relatos fictícios de "testemunhas" que supostamente haviam visto o personagem seqüestrando crianças.

Nascia o mito.

Diferentemente de outras lendas urbanas antigas, como o Bebê-Diabo, a Kombi branca e a Loura Fantasma, criações populares que têm versões em muitos países, o "Slenderman" surgiu na época mais propícia à disseminação de boatos: a era da Internet. Por meio da web, a história do personagem ganhou o mundo: sites e grupos de discussão foram criados sobre ele, incontáveis vídeos de supostas aparições do homem misterioso podem ser vistas no Youtube, e ele foi citado até no popular game "Minecraft".

Psicólogos, especialistas em cultura pop e até o etólogo e autor britânico Richard Dawkins são entrevistados no filme e tentam explicar a disseminação desse fenômeno global, verdadeiro bicho-papão do século 21.

Mas o aspecto mais comovente do filme é a descrição da vida das duas meninas criminosas e o impacto do crime na vida delas e de suas famílias. Morgan e Anissa são meninas tímidas e retraídas, que adoram ler histórias fantásticas na Internet. Ou seja: iguais a batalhões de crianças de 12 anos por aí. Elas não demonstravam comportamento violento ou sociopata. Pais, avós e amigos são unânimes em dizer que nunca poderiam supor que as duas seriam capazes de um ato tão bárbaro.

O problema é que a lei do Wisconsin determina que menores de idade podem ser julgados como adultos, o que abre a possibilidade de as meninas passarem o resto de suas vidas na cadeia.
"Cuidado com o Slenderman" é um tanto prolixo e se beneficiaria com uns 20 minutos a menos. Mas a história é muito interessante e bem contada, além de ser atualíssima.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.