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Canastrice do menino Neymar expõe o teatro do futebol midiático

André Barcinski

23/06/2018 11h24


No cinema, os melhores do ano ganham o Oscar, enquanto os piores levam o Framboesa de Ouro. Se houvesse um prêmio para a pior atuação de um esportista, o menino Neymar sairia da festa consagrado.

O que o Cigano Igor das quatro linhas fez ontem vai ficar para a posteridade: suas lágrimas de crocodilo após a vitória épica contra aquela potência futebolística chamada Costa Rica já entraram para os anais da dramaturgia esportiva.

Quer dizer que jogador de futebol não pode chorar?

Claro que pode: Pelé caindo em prantos depois de ganhar a Copa de 1958 é um dos momentos mais comoventes do esporte. Mas lembremos as circunstâncias: Pelé era um rapaz – não um menino – de 17 anos que venceu um título inédito para o Brasil, oito anos após a tragédia de perder a Copa no Maracanã.

Mais recentemente, Thiago Silva também chorou. E se as lágrimas de Pelé foram de alegria e alívio, as de Thiago Silva foram de insegurança e apreensão, o que pareceu a muita gente – a mim, inclusive – uma demonstração de desequilíbrio emocional não condizente com um jogador de futebol profissional – ainda mais com o capitão do time.

Voltemos ao menino Neymar: seu choro de joelhos foi um primor, mas se eu tivesse de escolher seu melhor momento no jogo de sexta, ficaria com a queda acrobática ao receber um polegar no peito desferido pelo maldoso beque costa-riquenho. A olhada que o menino Neymar dá para o juiz antes de cair é primorosa. Só faltou uma piscadinha. Pena que o VAR, esse estraga-prazeres, expôs o teatro para um bilhão de telespectadores.

Teatro é a palavra certa. Tudo é teatro. O menino Neymar é uma das figuras centrais da bigbrotherização do futebol, um astro incapaz de dar um arroto sem a autorização de assessores e sem medir o impacto midiático do gesto.

Mas o menino Neymar não é o único personagem desse teatro. Nenhum ator vive sem plateia, e ele tem a melhor e a menos exigente: nossa mídia.

Depois do jogo, passei o dia inteiro vendo os noticiários, e nossa TV parecia um imenso salão de manicure, em que coroas discutiam o fim da novela: "Coitado do menino Neymar, tava tão pressionado!". "Ai, que emoção aquele choro!"; "Snif, snif, o menino Neymar desabafou!"; "Isso, menino Neymar, você merece toda a felicidade do mundo!", e por aí vai.

Em primeiro lugar, chega dessa palhaçada de "menino Neymar": o cara tem 26 anos e está jogando sua segunda Copa do Mundo.

E que negócio é esse de ser condescendente com jogador porque está pressionado? Se Neymar não quer pressão, ótimo, vai dirigir pedalinho de cisne em Cambuquira, não jogar uma Copa do Mundo com a camisa 10 da seleção.

O fato é que a mistura de esporte com entretenimento transformou a cobertura esportiva em novela mexicana. Tá certo, ninguém quer saber se o líbero da seleção panamenha joga também de ala direita ou se a transição defensiva do Marrocos funcionou contra a Coréia do Sul, mas também não dá para basear boa parte da cobertura da Copa do Mundo em postagens no Instagram do menino Neymar, que, vamos lembrar, levou DOIS cabeleireiros para ajustar suas mechas durante a competição.

Estou curioso pelos próximos capítulos dessa novela. Como disse um amigo: se o menino Neymar chorou assim ao vencer a Costa Rica, o que fará se perder da Alemanha? Vai cometer harakiri no círculo central?

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Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.