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“Gênio Diabólico”: Netflix desperdiça uma ótima história num filme tedioso

André Barcinski

23/05/2018 05h59

Uma das características mais irritantes da recente safra de séries dramáticas e documentais na TV é o exagero na duração das atrações. Os canais a cabo e de VOD têm esticado ao máximo a duração de seus programas, para manter os espectadores ligados por mais tempo.

Recentemente o canal Viva exibiu um documentário sobre o grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone. Vi os dois primeiros episódios, mas desisti quando soube que o total era de TREZE.

Até séries documentais de grande qualidade, como "Wild Wild Country", da Netflix, foram esticadas além do recomendável (seis episódios de 50 minutos, quando três ou quatro dariam conta perfeitamente do material).

Quando se estende um documentário além do tempo ideal, a tendência é haver repetição de informações, o que prejudica o ritmo da narrativa e acaba por aborrecer o espectador.

Foi assim, aborrecido e entediado, que fiquei ao ver os quatro episódios de "Gênio Diabólico", nova atração da Netflix.

A história é bizarra e real: em 2003, no estado americano da Pensilvânia, um homem roubou um banco usando um colar de metal preso a explosivos. Quando a polícia o cercou na rua, o artefato foi detonado, matando o sujeito, um entregador de pizza sem antecedentes criminais.

O caso ficou conhecido como "Pizza Bomber". No carro do morto, a polícia encontrou instruções para a entrega do dinheiro roubado. A suspeita era de que alguém havia forçado o entregador de pizza a roubar o banco e ameaçado detonar a bomba caso ele procurasse a polícia.

A investigação do caso envolveu a polícia local, estadual, e até o FBI. Logo começaram a surgir pistas que apontavam para dois suspeitos: um homem misterioso chamado Bill Rothstein, e sua ex-namorada, Marjorie Diehl-Armstrong, tão doida quanto genial. Não vou contar mais para não estragar a surpresa.

"Gênio Diabólico" é dividido em quatro episódios de 45 minutos, totalizando três horas de duração. Um cineasta talentoso e com gosto pela bizarrice, como Errol Morris ou Werner Herzog, teria feito uma obra-prima de 75 minutos.

Infelizmente, o rico material de que os produtores dispunham foi desperdiçado com uma narrativa fraca, chata e repetitiva. Não contei, mas chuto que houve pelo menos uma dúzia de menções ao fato de Marjorie sofrer de problemas mentais. A descrição de Bill Rothstein como um "gênio solitário" foi repetida ao menos seis vezes.

Para piorar, o filme usa uma fórmula batida de programas de "reality TV" criminais, que é envolver na trama os responsáveis pela produção da série. Um produtor, que passou anos se correspondendo com a suspeita Marjorie, aparece repetidas vezes, descrevendo as cartas (quase todas completamente desinteressantes) e mostrando as fitas com gravações telefônicas. O que o filme ganha ao mostrar o produtor na frente de um computador exibindo as cartas da suspeita, a não ser minutos preciosos de tempo de exibição?

O fato é que, no fim do segundo episódio, eu já havia perdido boa parte do interesse na história. Terminar as quatro partes foi um martírio, especialmente com a caixa recém-comprada de seis filmes de Luis Buñuel olhando para nós na estante…

PHILIP ROTH (1933-2018)

O texto sobre a série "Gênio Diabólico" já estava no ar quando eu soube da morte do grande escritor norte-americano Philip Roth. Amanhã publico uma coluna sobre Roth e sua obra. Até lá.

Visite meu site: andrebarcinski.com.br

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.