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"Choque de Cultura": por que humoristas não devem pedir perdão

André Barcinski

25/04/2018 05h59


Gosto bastante do "Choque de Cultura" e seu humor tosco e escrachado, filho do "Casseta e Planeta" e sobrinho do "Hermes e Renato". Um dos integrantes da trupe, Caito Mainier, dirigiu um programa de TV que eu adorava, o "Larica Total".

Esses dias, no entanto, Mainier pisou na bola.

Tudo começou quando ele, que faz o personagem Rogerinho do Ingá, publicou no Twitter uma frase absolutamente lógica e inquestionável:

"Outra coisa boa também seria parar de ficar reduzindo as pessoas às suas correntes. Ah, você é de direita, então é um merda. Você é de esquerda, então é um merda. Você é de centro, então é uma merda dupla. Porra, a gente é muito maior que qualquer corrente!"

Claro que sua conta de Twitter foi imediatamente invadida por uma manada de asnos dos mais variados espectros ideológicos, que patrulharam Mainier por defender a empatia por pessoas com pensamentos políticos diferentes.

Esses patrulheiros formam uma turma burra e autoritária, que cultua o monólogo, se acha moralmente superior, e tem horror a argumentos.

Achei que Rogerinho do Ingá faria o feijão com arroz: mandaria os patrulheiros encontrarem as respectivas progenitoras no prostíbulo, e fim de papo. Mas não foi o que aconteceu: depois de uns quatro tuítes tentando se explicar, Mainier/Rogerinho capitulou:

"Aos q decepcionei fora do personagem, perdão. Mas ainda estou aqui. Aberto ao diálogo e com mais vontade ainda de criar e produzir. Beijo grande."

"Perdão a quem decepcionei"? Como assim? Decepcionar essa turma deveria ser OBRIGAÇÃO de todo humorista.

É fato que existem humoristas que não decepcionam ninguém, e cito dois: Gregório Duvivier e Danilo Gentili. E não decepcionam porque falam sempre as mesmas coisas para as mesmas pessoas.

Lembrei também um caso de humorista que pediu desculpas por algo que falou: Eddie Murphy. No início dos anos 80, Murphy fez um show de "stand up" em que contava piadas sobre AIDS. Quinze anos depois, ele havia perdido vários amigos e colegas para a doença, e veio a público se desculpar: "O que eu disse representava a visão torta de um cara de 20 anos, não do adulto de 36 que sou hoje".

O caso de Mainier é bem diferente: ele não se arrepende do que disse – até porque o que disse é irrefutável – mas se penitencia por ter decepcionado quem não gostou.

Talvez ele não perceba, mas ao capitular para os patrulheiros, Mainier joga contra a própria profissão. Ele é um comunicador, um profissional que vive da livre circulação de ideias, e não deveria aceitar que suas opiniões fossem cerceadas dessa forma.

Fiquei decepcionado com a atitude dele, mas não sou patrulheiro e acho que ele tem o direito de agir da maneira que quiser. Isso não muda em nada a admiração profissional que tenho pelo sujeito (que não conheço pessoalmente).

Agora, se continuar nessa onda de bom mocismo e paz e amor, sugiro mudar logo o nome do programa. Que tal "Choque de Fofura"?

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.