"Choque de Cultura": por que humoristas não devem pedir perdão
Gosto bastante do "Choque de Cultura" e seu humor tosco e escrachado, filho do "Casseta e Planeta" e sobrinho do "Hermes e Renato". Um dos integrantes da trupe, Caito Mainier, dirigiu um programa de TV que eu adorava, o "Larica Total".
Esses dias, no entanto, Mainier pisou na bola.
Tudo começou quando ele, que faz o personagem Rogerinho do Ingá, publicou no Twitter uma frase absolutamente lógica e inquestionável:
"Outra coisa boa também seria parar de ficar reduzindo as pessoas às suas correntes. Ah, você é de direita, então é um merda. Você é de esquerda, então é um merda. Você é de centro, então é uma merda dupla. Porra, a gente é muito maior que qualquer corrente!"
Claro que sua conta de Twitter foi imediatamente invadida por uma manada de asnos dos mais variados espectros ideológicos, que patrulharam Mainier por defender a empatia por pessoas com pensamentos políticos diferentes.
Esses patrulheiros formam uma turma burra e autoritária, que cultua o monólogo, se acha moralmente superior, e tem horror a argumentos.
Achei que Rogerinho do Ingá faria o feijão com arroz: mandaria os patrulheiros encontrarem as respectivas progenitoras no prostíbulo, e fim de papo. Mas não foi o que aconteceu: depois de uns quatro tuítes tentando se explicar, Mainier/Rogerinho capitulou:
"Aos q decepcionei fora do personagem, perdão. Mas ainda estou aqui. Aberto ao diálogo e com mais vontade ainda de criar e produzir. Beijo grande."
"Perdão a quem decepcionei"? Como assim? Decepcionar essa turma deveria ser OBRIGAÇÃO de todo humorista.
É fato que existem humoristas que não decepcionam ninguém, e cito dois: Gregório Duvivier e Danilo Gentili. E não decepcionam porque falam sempre as mesmas coisas para as mesmas pessoas.
Lembrei também um caso de humorista que pediu desculpas por algo que falou: Eddie Murphy. No início dos anos 80, Murphy fez um show de "stand up" em que contava piadas sobre AIDS. Quinze anos depois, ele havia perdido vários amigos e colegas para a doença, e veio a público se desculpar: "O que eu disse representava a visão torta de um cara de 20 anos, não do adulto de 36 que sou hoje".
O caso de Mainier é bem diferente: ele não se arrepende do que disse – até porque o que disse é irrefutável – mas se penitencia por ter decepcionado quem não gostou.
Talvez ele não perceba, mas ao capitular para os patrulheiros, Mainier joga contra a própria profissão. Ele é um comunicador, um profissional que vive da livre circulação de ideias, e não deveria aceitar que suas opiniões fossem cerceadas dessa forma.
Fiquei decepcionado com a atitude dele, mas não sou patrulheiro e acho que ele tem o direito de agir da maneira que quiser. Isso não muda em nada a admiração profissional que tenho pelo sujeito (que não conheço pessoalmente).
Agora, se continuar nessa onda de bom mocismo e paz e amor, sugiro mudar logo o nome do programa. Que tal "Choque de Fofura"?
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