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Monty Python: o melhor programa da TV chega ao Brasil com 49 anos de atraso

André Barcinski

18/04/2018 05h59


Você já tem programa para os próximos dias: ancorar no sofá e assistir a TODOS os 45 episódios de "Monty Python's Flying Circus", que o Netflix acaba de disponibilizar.

Exibido pela BBC em quatro temporadas, entre 1969 e 1974, "Flying Circus" é o mais inovador, mais bem escrito, mais bem atuado, mais ousado e mais inteligente programa de comédia que a TV produziu, em qualquer lugar e qualquer época. E, acredite, não foi exibido integralmente no Brasil (achei reportagens da "Folha" confirmando essa informação; leitores relatam que o Multishow exibiu episódios em 1996).

O Monty Python era um sexteto formado por cinco britânicos – John Cleese, Eric Idle, Michael Palin, Terry Jones e Graham Chapman (1941-1989) – e um norte-americano, Terry Gilliam. Jones e Palin se conheceram na Universidade Oxford; Cleese, Chapman e Idle, em Cambridge.

Muita gente conhece o Monty Python pelos longas-metragens que a trupe fez para o cinema, como "Monty Python e o Cálice Sagrado" (1975), "A Vida de Brian" (1979) e "O Sentido da Vida" (1983). Mas se os filmes são excelentes, o programa de TV era melhor ainda.

Acho que o humor surrealista e anárquico dos Pythons funciona melhor no confinamento dos três minutos de um quadro cômico do que nos 90 minutos de um longa-metragem. Num filme, há a necessidade de um arco dramático, de personagens, de clímax, enfim, de uma estrutura narrativa minimamente convencional.

Na TV, isso não importava. O programa era uma sucessão de vinhetas tão estranhas quanto geniais, sem nenhuma ligação temática entre elas. Um quadro satírico sobre um telejornal podia ser interrompido pela aparição de Genghis Khan ou por uma freira assoando o nariz. Quanto mais absurdo, melhor.

O Monty Python reescreveu o manual da comédia, ao jogar fora o manual e começar tudo do zero. No "Flying Circus" não havia bordões ou imitações de celebridades; piadas não acabavam, mas eram cortadas abruptamente antes do fim; um quadro era emendado no outro, o que confundia o público. Para deixar a coisa toda ainda mais estranha, havia as animações lisérgicas e surrealistas feitas por Terry Gilliam, que viraram marca registrada do programa.

Nesse vídeo, Gilliam mostra sua técnica de animação com colagens:

Essa esquisitice toda só foi possível porque a BBC deu liberdade total para o grupo. Como escreveu meu colega Maurício Stycer numa coluna sobre o livro "Monty Python, Uma Autobiografia":

Um dos aspectos mais sublinhados é a liberdade total que encontraram na TV pública inglesa. "A BBC orgulhosamente não só ignorava os roteiros como não conferia os episódios antes de serem transmitidos", conta Jones. "Nossa forma de parodiar a televisão era cuspir no prato que comíamos. Nenhuma outra organização teria deixado o Python impune", acrescenta.

"Era uma comuna de roteiristas. Os roteiristas estavam no comando. Isso é muito, muito, muito, muito, muito especial. Não havia produtor. Não havia diretor, ninguém dando ordens. Quase não havia emissora por trás", diz Idle.

Encerro com Palin: "Dava para tirar proveito desse nível de audácia e liberdade. Lembro que fazia muito bem para o nosso estado de espírito, era o que queríamos fazer há anos. Nem tudo funcionou, mas o sentimento geral era de que dava para imaginar de tudo, de que quase toda ideia era factível. Não havia regras nem limites".

Veja aqui dois dos quadros mais famosos do programa (legendados em português):

O Papagaio Morto

Ministério dos Andares Cretinos

Um de meus favoritos é o "Dicionário Húngaro de Palavrões", uma obra-prima do nonsense:

Claro que o Monty Python não nasceu num vácuo. O grupo foi muito influenciado por "The Goon Show", um programa de rádio da BBC com Spike Milligan e Peter Sellers, que durou de 1951 a 1960 e entortou a cabeça de muita gente com seu humor bizarro. Mas ninguém conseguiu levar essa estranheza para a TV como os Pythons.

Dizer que "Flying Circus" mudou a comédia é errado, porque ninguém conseguiu fazer nada parecido depois. Nem os próprios integrantes do grupo: pouco tempo depois do fim do programa de TV, todos estavam envolvidos em outros programas, mas nenhum tão anárquico quanto "Flying Circus" (se você não viu "Fawlty Towers", a série em que John Cleese faz o dono de um hotel no interior da Inglaterra, sugiro procurá-lo agora mesmo. Alô, Netflix, que tal incluir "Fawlty Towers no pacote?).

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.