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O "Lado B" do cinema policial dos anos 70

André Barcinski

11/04/2018 05h59

Me divertindo bastante com as duas caixas "Cinema Policial" lançadas pela Versátil. Cada caixa traz quatro filmes policiais norte-americanos e ingleses do período de 1971 a 1981.

A seleção é uma espécie de "Lado B" do cinema policial do período. Não há clássicos como "Um Dia de Cão" (Sidney Lumet), "Operação França" (William Friedkin), "Bullitt" (Peter Yates) ou "À Queima-Roupa" (John Boorman), mas filmes menores e menos conhecidos (pelo menos do público brasileiro).

Os destaques são:

– "Carter, o Vingador" (Mike Hodges, 1971), com Michael Caine no papel de um mafioso britânico que vinga a morte do irmão.

– O espetacular "Caçada na Noite" (John Mackenzie, 1980), em que Bob Hoskins faz um gângster ameaçado por um traidor dentro de sua própria gangue.

– "O Sequestro do Metrô" (Joseph Sargent, 1974), com Walter Matthau no papel de um tenente da polícia que tenta capturar a gangue responsável pelo sequestro de um trem do metrô de Nova York, liderada por Robert Shaw (que no ano seguinte faria o Quint de "Tubarão").

– "Profissão: Ladrão" (Michael Mann, 1980), estiloso "neo-noir" e estreia do genial Michael Mann na direção, com James Caan no papel de um ladrão de jóias que resolve participar de um último grande roubo. Boa parte do visual de "Drive", de Nicolas Winding Refn, foi copiado desse filme.

Assistindo aos oito filmes das caixas, fica evidente a liberdade criativa que os cineastas tinham naquela época. Era um período em que não havia videocassetes ou a cultura da reprise; as pessoas iam ao cinema para ver um filme e achavam que nunca mais o veriam novamente. Isso, na minha opinião, deixava os cineastas mais livres para ousar.

Nunca esqueço uma coisa que José Mojica Marins, o Zé do Caixão, disse: "Uma vez que o sujeito estava dentro da sala, você podia fazer o que quiser". Faz sentido. Hoje, com as incontáveis reprises em TVs e a possibilidade de rever um filme a qualquer hora, a tendência é de que cineastas pensem várias vezes antes de criar cenas mais ousadas ou fora do padrão.

Difícil imaginar que um diretor, hoje, parasse a narrativa de "Caçada na Noite" para gastar tempo com monólogos teatrais do personagem de Bob Hoskins, ou dedicasse longos minutos a diálogos aparentemente sem importância para a trama, como em "Os Amigos de Eddie Coyle" (Peter Yates, 1973), em que o grande Robert Mitchum faz o papel-título e passa um longo tempo conjecturando se deve ou não trair seus amigos mafiosos.

Esses filmes não são perfeitos e nunca serão estudados em escolas de cinema. Mas alguns trazem, mesmo que em pequenos detalhes, rompantes de ousadia e experimentalismo que são raros hoje em dia.

Sobre o autor

André Barcinski é jornalista, roteirista e diretor de TV. É crítico de cinema e música da “Folha de S. Paulo”. Escreveu sete livros, incluindo “Barulho” (1992), vencedor do prêmio Jabuti de melhor reportagem. Roteirizou a série de TV “Zé do Caixão” (2015), do canal Space, e dirigiu o documentário “Maldito” (2001), sobre o cineasta José Mojica Marins, vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Sundance (EUA). Em 2019, dirigiu a série documental “História Secreta do Pop Brasileiro”.

Sobre o blog

Música, cinema, livros, TV, e tudo que compõe o universo da cultura pop estará no blog, atualizado às terças-feiras.