Por que minha reportagem sobre o Google sumiu do Google?
ATUALIZAÇÃO: no fim da tarde de quarta-feira, dia 7, o texto misteriosamente "ressuscitou" no Google.
Em 6 de agosto de 2015, publiquei no portal R7 uma reportagem intitulada "Músico revela: mentor do Marco Civil da Internet e de mudanças no ECAD é advogado do Google".
Esses dias, meu amigo, o jornalista Álvaro Pereira Júnior, tentou achar a reportagem. Procurou no Google, mas não teve sucesso. Álvaro relatou o caso em sua conta pessoal no Twitter:
"Procurei o texto da maneira mais óbvia: googlando, entre aspas, os nomes do Barcinski e do referido advogado. Imaginei que seria o primeiro link. Nada. Só vieram links para textos que o próprio advogado publica na imprensa, e algumas outras coisas fora do meu alvo de busca. Do texto do Barcinski, absolutamente nada. Fiz então uma busca mais fina, novamente com os dois nomes entre aspas, mais algumas palavras bem específicas que eu lembrava que o texto continha, como "creative" e "commons" . De novo, nem sinal."
Álvaro tem uns 30 anos de profissão e não é exatamente um novato no ofício de investigar. Depois de tantas tentativas, julgou que a reportagem havia sido tirada do ar, e comentou comigo sobre o sumiço. Fiquei surpreso, porque lembrei ter visto a reportagem, meses atrás. Procurei no arquivo do R7 e encontrei o texto (veja aqui), mas, de fato, buscando pelo Google, não consegui encontrá-lo de primeira. Só achei, um bom tempo depois, porque lembrei o título da reportagem e usei, na busca, algumas palavras contidas no título (e veja que curioso: procurando pelo Bing, concorrente do Google, bastava escrever meu nome e o nome do advogado do Google, que o texto aparecia de cara).
Um seguidor do Twitter do Álvaro, Diego Mesa Marquez, respondeu: "Trabalho com SEO há muitos anos e notei que nenhum texto desse blog tem a descrição gerada pelo bot. Se procurarmos pelos termos que estão no título (indexados), acha de boas. Parece problema geral no robots.txt do blog".
Já outro leitor, Teilor, escreveu: "Talvez o problema fosse com o site, mas olhando o robots.txt absurdo do R7 (são 34356 linhas!!!), não tem nada bloqueando a indexação do texto, e ele foi indexado sem problema pelos outros buscadores".
Não tenho conhecimento técnico para dizer o que aconteceu. O que sei é que o texto era facilmente encontrável no Google, e agora não é mais. Sei porque o encontrei diversas vezes. Até ontem.
Por que o texto desapareceu? Seria algum problema no sistema de buscas do Google? Alguma questão relacionada ao robots.txt, como sugere um leitor? Alguma mudança na formatação do portal onde o texto foi originalmente publicado?
Há outra hipótese: a de que a busca pela reportagem tenha sido deliberadamente dificultada. Mas não quero acreditar nisso. O Google, como sabemos, se vende como um baluarte da democracia digital, um porto seguro para a livre circulação de ideias. Sua missão, como diz o próprio site da empresa, é "organizar a informação do mundo e torná-la universalmente acessível e útil". Seria inconcebível imaginar que uma empresa tão "do bem" pudesse ter dificultado a busca por uma reportagem que ouviu os dois lados da discussão e nunca teve seus méritos jornalísticos contestados.
De qualquer forma, acho que a reportagem merece ser "universalmente acessível", e por isso a republico aqui. Fiz pequenas adaptações ao texto para deixar claro que os fatos reportados referem-se ao período de agosto de 2015.
6/8/2015
Músico revela: mentor do Marco Civil da Internet e de mudanças no ECAD é advogado do Google
Em maio [de 2015], o músico e produtor musical Tuninho Galante, 55, publicou uma coluna no jornal "O Globo" intitulada "A Máscara Caiu" (leia aqui). A coluna revelava que o advogado Ronaldo Lemos, diretor do Creative Commons (CC) no Brasil, era advogado do Google.
A revelação é importante porque Lemos, além de defender o CC, é um dos criadores do Marco Civil da Internet e vice-presidente do Conselho de Comunicação Social do governo federal, comissão responsável por elaborar estudos e pareceres solicitados pela Câmara dos Deputados e pelo Senado sobre assuntos como publicidade, diversões e espetáculos públicos, produção e programação das emissoras, monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação e renovação de concessão, permissão e autorização de serviços de radiodifusão.
Recentemente, Lemos ajudou o governo na CPI do ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), entidade responsável pela arrecadação e distribuição de direitos autorais a compositores, elaborando um anteprojeto que cria um órgão fiscalizador do ECAD no Ministério da Justiça. E o advogado representa legalmente o Google, empresa que processa o ECAD.Segundo a coluna de Galante, "O Google entrou com uma ação contra a União Brasileira de Editores Musicais (UBEM) e o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direito Autoral (ECAD), depositando um valor irrisório que entende ser devido pelos direitos de milhões de músicas que utiliza. Na verdade, o Google não quer pagar por obras veiculadas no Youtube, o que afeta milhares de compositores, cantores, músicos, editoras e produtores fonográficos."
Galante diz que não tem nenhuma ligação com o ECAD e se define como "estudioso e ativista" dos direitos autorais.
Ronaldo Lemos é um dos mentores do Marco Civil da Internet, lei que regula o uso da Internet no país e chamada por alguns de "Constituição da Internet".
Na coluna, Galante diz que o CC "preconiza um tipo de licença que permite a troca e circulação de conteúdo audiovisual, como filmes, músicas, fotografias, livros, fotografias de prédios, residências etc. de graça", e que "há uma desconfiança" de que "o CC trabalha a favor do Google". Essa suspeita, segundo Galante, teria sido confirmada com a revelação de que Lemos trabalha para o Google.
Na verdade, a ligação do Google com o Creative Commons não é nenhum segredo. [Em agosto de 2015], o site do Google listava as organizações que recebiam apoio da empresa, e o CC era citado. Na mesma época, no site do CC, havia a descrição de um projeto financiado pelo Google, que paga até 20 mil dólares para projetos do CC em todo o mundo (um dos projetos chamava-se "Promovendo a música gratuita nas Américas Sul e Central").
Galante acha que existe um conflito de interesses entre a atuação de Lemos no governo, no Creative Commons e seu trabalho como advogado do Google. E Lemos tem usado seu espaço na imprensa e TV para defender o Marco Civil da Internet e a CPI do ECAD, sem explicitar que foi um dos criadores do Marco Civil e sem dizer que trabalha para o Google, empresa interessada nos dois temas (o Google apoiou publicamente o Marco Civil). Na coluna sobre o ECAD, Lemos escreve: "Uma CPI no Senado elabora um projeto de lei para regulamentar o setor". Só não menciona que ele próprio colaborou para o projeto.
Aqui vai a entrevista que fiz com Tuninho Galante.
– Como você descobriu que Ronaldo Lemos trabalhava para o Google?
– Levei um susto quando vi na imprensa que o Google tinha entrado com uma ação contra o ECAD e a UBEM para não pagamento de direito autoral. Fiquei assustadíssimo com isso. Depois tive acesso a uma petição enviada pelo Google para o ECAD e fiquei estarrecido quando vi quem assinava a petição [para provar que Lemos é advogado do ECAD, Galante enviou ao blog a cópia de uma resposta a uma notificação do ECAD, datada de 18 de fevereiro de 2015 e assinada por Ronaldo Lemos, em que ele se declara "representante legal do Google".]:
– Você tem alguma ligação com o ECAD?
– Nenhuma. Zero. Eu faço parte da AMAR (Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes), junto com Aldir Blanc, Nei Lopes, Paulo Cesar Pinheiro e outros. Mas não sou diretor, sou só um ativista e estudioso do direito autoral. Essa petição circulou entre os membros da AMAR e de outras associações de músicos e compositores. Muita gente viu.
– Você defende o ECAD?
– Sim, já escrevi vários artigos a favor do ECAD e do direito autoral.
– Mas o ECAD é muito criticado por compositores, músicos, donos de casas de shows, etc.
– Sim, é verdade. Acho que o ECAD tem um seríssimo problema de comunicação. Não é um problema de gestão nem de falta de transparência, mas de comunicação. O ECAD, como o nome diz, é um escritório central, formado por associações de músicos e compositores. Ele fala diretamente a essas associações, mas não tem autonomia pra falar diretamente pros autores, e essas associações brigam entre si.
– Muitos compositores reclamam que recebem pagamentos irrisórios do ECAD…
– Sim, mas não é o ECAD que paga, ele só arrecada e distribui. Quem paga são emissoras de rádio, TV, etc. O ECAD arrecada os pagamentos de direitos autorais no Brasil inteiro e depois divide com os autores das músicas, de acordo com as vezes em que cada música foi executada. Mas há vários compositores maravilhosos que simplesmente não tocam no rádio. Em segundo lugar, temos que lembrar que o Brasil é um dos campeões mundiais de inadimplência no pagamento de direitos autorais. As empresas públicas, então, as rádios e TVs do governo, simplesmente não pagam direito autoral. É muito mais fácil para o artista reclamar na porta do ECAD do que bater na porta das emissoras de rádio e nas portas das prefeituras e exigir que elas paguem pelas músicas que estão tocando. Existe uma leniência na classe artística atual.
– Voltando à questão do processo do Google contra o ECAD, qual foi sua reação ao ver que a mesma pessoa que estava ajudando o governo na CPI do ECAD era advogado do Google?
– Fiquei estarrecido. Sempre se comentava da participação muito forte desse advogado em relação a temas ligados ao direito autoral. Inclusive, na CPI contra o ECAD, foi ele que fez o texto técnico com um anteprojeto de mudança na legislação. Está no Youtube pra quem quiser ver, o Randolfe [senador Randolfe Rodrigues, do PSOL-AP] apresentando o advogado…
Mesmo antes de saber que o advogado trabalhava para o Google, eu já tinha achado absurdamente contraditório que um profissional escolhido e pago pela CPI do direito autoral para fazer um estudo sobre o tema e escrever um anteprojeto de lei pudesse ser o representante do Creative Commons no Brasil. Não faz o menor sentido isso. O CC é contra o interesse do autor. Depois, quando ele [Lemos] assina uma petição em nome do Google contra A UBEM e o ECAD, dizendo que as músicas que estão no Youtube não são passíveis de receber direito autoral, aí é que fiquei de cara!
– Você sabia que ele era um dos criadores do Marco Civil da Internet?
– Soube recentemente.
– E também membro do Conselho de Comunicação Social do Governo?
– Sim, como "representante da sociedade civil".
– Você acha que há conflito de interesses?
– Claro que sim. Isso é conflito de interesses. Ele não deveria estar atuando nessa área por conflito de interesses. Quero deixar claro que não tenho nada pessoal contra esse cara ou contra o Google. Sou usuário do Google. O que acho absurdamente incrível é essas empresas defenderem a utilização do trabalho de terceiros sem remuneração de direito autoral, em nome de uma liberdade de expressão. Os criadores intelectuais têm de ser pagos. Aí vem uma empresa como o Google, que não produz conteúdo, não produz um disco, não produz um filme, não produz nada, e tem um faturamento gigantesco em cima do trabalho de outros.
– Mas o Google também tem o direito de participar das discussões sobre o uso da Internet no país…
– Com certeza. O Google é um dos maiores players da Internet e tem todo o direito de participar de qualquer discussão sobre legislação e direitos. Mas é preciso deixar as coisas claras. É importante que ele [Lemos] fale: sou advogado do Google!
OUTRO LADO
Procurei o advogado Ronaldo Lemos para que ele pudesse se manifestar. Enviei por e-mail perguntas sobre a atuação dele junto ao Google, sobre o suposto "conflito de interesses" citado por Galante, e perguntei por que razão, em recentes colunas de jornal sobre o ECAD e o Marco Civil da Internet, ele não se identificou como advogado do Google e como um dos mentores do Marco Civil.
Lemos não respondeu a nenhuma das três perguntas. Sua réplica foi:
"O que tenho a dizer é o seguinte: Tuninho Galante é um ardoroso defensor do ECAD, entidade que foi condenada por formação de cartel e abuso de poder econômico, além de ter sido investigada e condenada por diversas CPIs. Uma das minhas atuações como advogado é exatamente de agir contra os abusos do ECAD. Qualquer empresa, pessoa, governo ou entidade que quiser advogar contra esses abusos pode me procurar sempre e a qualquer momento que terei prazer em atender."
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